Desvendando a COVID-19

O isolamento social como forma de prevenção— O Professor Milton Kanashiro do Laboratório de Biologia do Reconhecer (LBR), do Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB), define bem a pandemia da COVID-19 causada por um novo coronavírus, que atinge tanto animais quanto seres humanos e cuja origem ainda não foi totalmente esclarecida.

“Os coronavírus podem causar diferentes tipos de infecções em várias espécies animais. Em humanos causam principalmente infecções respiratórias. Este é um vírus completamente novo para o homem e somos todos suscetíveis. E o que isso significa? Significa que o nosso sistema imunológico ainda não teve contato com este agente e, onsequentemente, não temos resposta imunológica contra o mesmo”, esclarece o professor. “Enfrentar o novo coronavírus é um desafio para os pesquisadores que ainda não desenvolveram vacina para o combate ao vírus, e não se tem nenhum fármaco comprovadamente efetivo. Como nenhuma dessas duas formas ainda é possível, só nos resta evitar esta infecção”.

Como fazer isso? E por quê? “Com o isolamento social, isto é, ficando em casa e evitando aglomerações e contatos com pessoas, indo à rua somente quando for estritamente necessário, e usando máscaras, poderemos diminuir a curva de infecção. As máscaras exercem duas funções muito importantes: dificultar a disseminação do vírus e contaminação de outras pessoas, caso você esteja infectado, e evitar que você seja infectado por alguém que esteja com a COVID-19 no mesmo ambiente. Outra forma de evitar a doença é higienizar as mãos sempre que possível, e quando não puder lavar as mãos, utilizar o álcool 70% em gel ou líquido. Com estas ações simples você diminuirá muito a chance de adquirir a infecção pelo coronavírus”, disse o professor Milton.

O professor esclarece ainda que a infecção pela COVID-19 pode ser muito grave para cerca de 2% dos infectados, sendo necessária a internação e assistência médica em uma Unidade de Tratamento Intensivo – UTI.“Neste grupo estão as pessoas idosas (acima de 60 anos) e que têm comorbidades (doenças pré-existentes como hipertensão, diabetes, tuberculose, asma, entre outras), mas existem casos também de pessoas que não se enquadram neste contexto e que desenvolvem uma infecção grave e morrem. Uma característica muito importante deste vírus é ser extremamente contagioso. Ao nos contaminarmos, o vírus inicialmente se estabelece e se multiplica intensamente no epitélio do trato respiratório superior, principalmente na nasofaringe, em um período de uma semana ou pouco mais, e deste local se espalha aos pulmões e outras partes do nosso corpo. Neste período inicial os sintomas são ausentes ou muito suaves, mas já estamos disseminando o vírus abundantemente. Este é um aspecto muito traiçoeiro deste vírus: você pode estar contaminando outras pessoas sem saber” informou.

Prof. Milton Kanashiro do Laboratório de Biologia do Reconhecer

Para o professor alguns aspectos clínicos epidemiológicos fazem da COVID-19 um perigo: é altamente contagiosa; pessoas assintomáticas podem disseminar o vírus; leva por volta de duas semanas para que os sintomas se manifestem (quando se manifestam), e em torno de 2% dos infectados desenvolvem a forma grave da doença.

“Campos tem hoje 500 mil habitantes, imagine que em um mês toda a população adoecesse. Iríamos demandar em torno de 10 mil leitos hospitalares para atendimento de doentes graves (incluindo leitos de UTI), sendo que os pacientes mais graves ficam em torno de 2-3 semanas na UTI. Com muito menos doentes, haveria o colapso do sistema de saúde. Como temos visto, isso ocorreu ou está ocorrendo
nos EUA, Espanha, Itália, França. Para mitigar estes efeitos devemos nos cuidar para que não sejamos infectados pelo novo coronavírus, visto que já estamos passando por dificuldades semelhantes. Estes cuidados diminuirão o número de pessoas contaminadas e consequentemente ocorrerá a diminuição de demanda por leitos hospitalares. Dessa forma, vamos ter o achatamento da curva epidemiológica, ou seja, vamos evitar ao máximo a demanda de leitos hospitalares para o atendimento de pacientes pelo novo coronavirus. Ainda não podemos esquecer que estamos iniciando o período de infecções pelo vírus da Influenza (gripe) que também causa muitos transtornos e problemas hospitalares, bem como finalizando o período de infecções por diferentes arbovírus causadores de doenças como dengue, chikungunha e zika além das demais doenças não sazonais (câncer, infarto, AVC, etc…). Percebe o quanto complexo é este momento que estamos vivenciando? Então, colabore! Cuide-se para que não se contamine e contamine outras pessoas”, finalizou.

Incertezas e recomeço para a humanidade — Na opinião do cientista social Roberto Dutra, do Laboratório de Gestão e Políticas Públicas da UENF (LGPP), a pandemia deverá provocar mudanças estruturais de grande alcance em diversos sistemas da sociedade. Para ele, o confinamento social se tornou uma forma de vida social que atravessa e paralisa a dinâmica de todos os sistemas da sociedade: economia, família, política, ciência, saúde, educação, religião, direito, comunicação de massas, esportes.

“É um fenômeno que nunca ocorreu na sociedade moderna, nem mesmo durante as duas grandes guerras mundiais. Nunca houve uma paralisação mundial simultânea, de quase todos os sistemas da sociedade, submetidas a único imperativo, o de salvar o maior número de vidas possível” declarou o professor.

O professor Roberto Dutra diz ainda que entre os cientistas sociais, não se pode deixar de notar certo interesse com este “experimento social” a que estamos todos submetidos: o imperativo da saúde (salvar vidas) tornou-se um valor praticamente absoluto para a política, apoiando-se especialmente na autoridade da ciência e na simultaneidade das opiniões produzidas pela comunicação de massas.

“A naturalização das rotinas sociais foi rompida e a nova hierarquia de valores – com a preservação da vida no topo – se tornou uma força inegável capaz de impulsionar e orientar mudanças estruturais. É possível perceber, por exemplo, que o ideal da solidariedade social ganha novo apoio da sociedade, especialmente pela percepção da importância dos sistemas públicos de saúde. Ao assumir a preservação da vida como meta coletiva central e acima das outras, a política e a opinião pública abrem espaço para este retorno da solidariedade pelo menos no plano da cultura política. No entanto, se este retorno vai se traduzir institucionalmente na criação de políticas públicas que promovam a igualdade e a cidadania social, só a própria evolução social pode dizer. Na verdade, é possível dizer que mudanças estruturais de largo alcance tendem a ocorrer, mas não se pode dizer quais mudanças e em que direção. Haverá um recomeço para os sistemas sociais com o fim do isolamento”, declara o professor.

Prof. Roberto Dutra, do Laboratório de Gestão e Políticas Públicas

Em meio a pandemia o que mais se ouve é a questão da insegurança. Para o cientista a memória social continuará se orientando pela leitura do passado, mas desta vez as incertezas do futuro terão um papel muito mais importante. Isto é possível prever.

“Em momentos de crise como este é tentador recorrer a narrativas teleológicas, como se houvesse, desde sempre, um ponto de chegada positivo ou negativo para o qual a pandemia nos empurra com mais rapidez. Este tipo de narrativa serve para trazer segurança em tempos tão inseguros, pois aponta um destino definido no meio da tempestade. Mas a ciência social deve se distanciar de toda forma de teleologia, otimista ou pessimista, pois o futuro social é aberto, indeterminado. A crise da pandemia evidencia que as estruturas sociais são passíveis de mudança, que as mudanças estão ocorrendo, que vão continuar ocorrendo, que podem se acelerar, mas quais mudanças é algo que não se pode prever” ressaltou.

Segundo o professor Dutra, a humanidade vive um fenômeno social jamais presenciado onde a humanidade vive um fenômeno social jamais presenciado onde alguns subsistemas da sociedade foram paralisados, como os que dependem fortemente de contato social, que são quase todos: religião, esportes, educação, ciência, grande parte da política, da economia, do direito, e do mundo artístico. No entanto, na opinião do cientista, existem outros subsistemas cuja dinâmica não foi paralisada, mas redirecionada e até intensificada.

“Falo da família e dos meios de comunicação de massas. As relações familiares, especialmente no sentido burguês da família nuclear, foram intensificadas como não ocorreu em nenhuma outra esfera. Isto só é comparável aos meios de comunicação de massa. Sem a função dos meios de comunicação de massa, que é construir um mundo simultâneo de preocupações compartilhadas, não seria possível que as medidas de prevenção ditadas pelo sistema da saúde a nível global fossem conhecidas e adotadas pelas populações. Embora a adesão às medidas de isolamento social não seja total – no Brasil ela está muito abaixo do necessário –, deveria ser surpreendente, do ponto vista sociológico, que a grande maioria dos afetados conheça e siga as medidas de prevenção. Embora a avalanche de informações não seja benéfica, me parece que o problema, desta vez, não tem a ver com os meios de comunicações de massa. O problema é que a vida social foi extremamente simplificada sob a forma do confinamento doméstico. O sistema de saúde se tornou uma espécie de “instituição total” na sociedade. O contato cotidiano das pessoas com a maioria dos sistemas sociais foi interrompido, e isto acarreta um afunilamento da identidade social que pode trazer problemas psicológicos para muitas pessoas”, esclarece o professor.

Os reflexos da pandemia como ensinamento para o combate às desigualdades socioeconômicas – A pandemia da COVID-19 é um problema de saúde que traz reflexos profundos na condição socioeconômica dos indivíduos. Essa é a constatação do professor e economista Alcimar das Chagas Ribeiro, do Laboratório de Engenharia de Produção (LEPROD), do Centro de Ciência e Tecnologia (CCT), que faz um paralelo entre a urgência do isolamento social para salvar vidas, e o grupo de pessoas que passam a enfrentar o flagelo da falta de renda e condições insuficientes de sustento diário. O professor relata que o histórico processo de desigualdade instalada no país e nas regiões, que segue sem políticas efetivas de combate, em momentos como esse, aflora de forma perversa, exigindo políticas públicas bem dirigidas e urgentes.

“Essa capacidade de reação é que parece faltar no país. Ações integradas entre os Governos Federal, Estadual e Municipal, ainda representam gargalos que inibem o amortecimento dos impactos provocados pelo isolamento, orientado pela Organização Mundial da Saúde e Ministério da Saúde. Nesse momento podemos ver a importância da ação local. As instituições públicas conhecem, ou deveriam conhecer, o perfil da sua cidade. O nível de informalidade, o número de autônomos e trabalhadores formais, as famílias que vivem em condições precárias, o padrão das micro e pequenas empresas, etc., de maneira a poder formular ações minimizadoras dos graves problemas evidenciados”, ressalta o economista.

Prof. Alcimar das Chagas Ribeiro, do Laboratório de Engenharia de Produção

O professor acredita que apesar de tudo ainda existe a presença efetiva dos governos locais nessa luta. Segundo ele, a trajetória da gestão pública mostra um elevado padrão de ineficiência e irresponsabilidade, verificado no aumento do custeio e na retração criminosa do investimento ao longo do tempo.

“Muito importante também é a solidariedade das organizações não governamentais, que devem cooperar no apoio à construção de redes de proteção socioeconômica em direção ao combate das necessidades urgentes e, posteriormente, no combate efetivo das desigualdades econômica e social em cada território”, conclui.

O novo vírus se espalhou pelo mundo atingindo humanos e animais — O professor Marcio Manhães Folly do Laboratório de Sanidade Animal (LSA), do Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA), esclarece que a COVID-19 surgiu possivelmente da prática de venda de animais exóticos para consumo humano, e tal prática ainda ocorre em várias regiões do planeta. Ele informou que os coronavírus infectam animais de várias espécies.

“Alguns destes vírus são presentes em animais domésticos causando enfermidades dos tratos respiratório e digestivo. Os coronavírus de bovinos (BCov) são responsáveis pelo quadro de diarreia, doença respiratória em animais adultos e disenteria de inverno em bezerros. Em cães, são responsáveis pelo quadro de diarreia caracterizada por uma enterocolite mucohemorrágica; nesse caso, devido ao quadro diarreico a transmissão do vírus ocorre em geral por via fecal-oral”, informou o professor.

Sobre as doenças causadas por coronavírus em humanos, o professor Márcio destaca a Síndrome Respiratória Aguda e Severa (SARS, do seu termo inglês Severe Acute Respiratory Syndrome). Segundo ele, a presença do vírus causador de SARS já foi detectada pela técnica de RT-PCR (do inglês Reverse Transcription Polymerase Chain Reaction) em várias espécies animais como cães, macacos, guaxinins, raposas, porcos, javalis, cabras, bovinos, coelhos, ratos, patos, gansos, galinhas, faisões e pombos.

“Em 2002 uma SARS causada por coronavírus foi observada na província de Guangdong na China, atingindo 28 regiões no mundo em 2003, e causando a morte de 774 pessoas e 8096 pessoas infectadas. Esta coronavirose foi identificada em civetas, um mamífero que ocorre em regiões asiáticas. Esse animal era comercializado em feiras livres da província chinesa, sendo esta provavelmente a origem da epidemia. Coronavírus foram identificados também em morcegos, sendo estes similares do ponto de vista filogenético ao coronavírus observados em humanos em 2002. Em 2012, um coronavírus da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-Cov) foi observado em humanos sendo transmitido por camelídeos, mas também foi encontrado em morcegos no Oriente Médio. Foi identificado pela primeira vez na Arábia Saudita e levado para outros continentes por viajantes causando a morte de mais de 204 pessoas e 681 infectados.” disse.

Prof. Marcio Manhães Folly do Laboratório de Sanidade Animal

Sobre o coronavírus causador da atual pandemia, o professor informa que a origem do vírus ainda é incerta, mas que provavelmente o SARS-Cov-2 é de origem animal.

“É um vírus extremamente virulento e estudos recentes demonstram a sua capacidade de infectar humanos e animais, num período de incubação bastante curto de 3 a 5 dias. Com relação à presença do vírus em animais, até 06 de abril de 2020, cinco espécies animais testaram positivo para SARS-Cov-2, sendo dois felídeos e três canídeos, conforme relatório da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). Um tigre (Panthera tigris) apresentou sinal clínico da enfermidade e está ainda sob observação em Nova York. Outros três tigres e dois leões apresentaram sinais clínicos de COVID-19, porém, não foram testados e estão em observação e isolados no Zoológico de Nova York. Todos esses animais foram infectados por humanos portadores sem sinais clínicos de COVID-19, caracterizando a enfermidade como antropozoonose. Neste sentido, a OIE junto com a OMS aconselham as pessoas com a COVID-19 evitarem contatos com seus pets. Esses animais além de ter a possibilidade de contrair a enfermidade, já que casos foram observados, podem ser carreadores sem sinais clínicos do SARS-CoV-2. Caso os animais saiam de casa para passeio, devem ser desinfetados, principalmente as patas e focinho. Em conclusão, esta enfermidade está ainda no começo na humanidade e pode afetar animais. Só será controlada com isolamento social e por vacina que está em fase de estudos. Infelizmente as projeções não são positivas, pois a taxa de mortalidade e morbidade têm sido elevadas” conclui.