Textos Técnicos

Reflexão: um olhar sobre desigualdade socioeconômica*

*Artigo publicado na página Cultura & Lazer do Jornal Folha1, Campos dos Goytacazes, no dia 18 de janeiro de 2023.
Link para acesso: https://www.folha1.com.br/cultura_e_lazer/2024/01/1296176-reflexao-um-olhar-sobre-desigualdade-socioeconomica.html

A reflexão sobre o alargamento da desigualdade socioeconômica, especialmente em países e regiões periféricas, é necessária e precisa ser ampliada. Afinal, o que existe a mais para dizer a respeito desta temática, além do confronto mercado/ estado/governo?

Uma visão complementar poderia surgir das reflexões sobre alguns fundamentos defendidos pelos economista clássicos, neoclássico e keynesianos. Especialmente Adam Smith, economista clássico considerado o pai da economia, via o mercado como uma instituição capaz de viabilizar o crescimento econômico sem exclusão, tendo em vista a natureza do processo ancorada na moral, na ética dos agentes econômicos.

Considerando o recorte em meados do século XVIII, podemos imaginar que a dedicação ao trabalho e a prática religiosa, exerciam papel modelador do padrão moral do homem (caráter) e, consequentemente, orientava o seu comportamento ético. Neste ambiente, a intervenção estatal para corrigir imperfeições no mercado não era necessário, já que o mesmo tinha uma coordenação ética baseada na fé religiosa e na estrutura de moralidade instalada.

Smith centrava sua visão na filosofia da psicologia individual, que defendia princípios como a total liberdade dos agentes econômicos e a presença mínima do estado. A sua consideração era de que o interesse coletivo fica assegurado quando os particulares procuram o beneficio próprio. O fundamento tinha base na escola escocesa do senso moral inato que entendia o comportamento humano como resultante da interação de instintos egoístas e altruísta.

Neste contexto, a maximização da riqueza é função da liberdade individual para empreender e empregar trabalho produtivo, assim como, de novos mercados, divisão do trabalho e da acumulação de capital.

Na trajetória temporal, o processo de modernização tecnológica se instala e, ao mesmo tempo, que estabelece novas condições em benefícios da humanidade, também cria condições de atraso para grupos que não conseguem se inserir. Marx na critica ao capital identifica a formação de um exército de reserva (desempregados), responsável pela fragilização da demanda efetiva e da queda temporal do lucro e do investimento de capital.

A evolução da crise do capitalismo abre espaço para a abordagem neoclássica que busca explicação nas análises microeconômicas, ou seja, na investigação do comportamento econômico dos consumidores e empresas. Neste caso, o sistema moral estaria fora da economia, que passaria a se preocupar com a alocação eficiente dos capital pelas empresas e com a alocação eficiente da renda pelas famílias.

O desenrolar das crises (políticas e econômicas) do inicio do século XX se constitui no elemento motivador para a abordagem de intervenção estatal como crítica ao mercado de natureza imperfeita. Keynes, então, centrou sua análise na abordagem macroeconômica do pleno emprego e nos fatores de crescimento do investimento e seus impactos sobre a renda e o emprego. O fundamento principal é a formação da demanda efetiva, já que a sua deficiência pode gerar crescimento insuficiente para manter o pleno emprego.

Um aspecto importante a considerar é de que a forte presença do estado na economia, em um ambiente de consistente modernização e de elevada dinâmica competitiva, pode ter exercido papel fundamental na mudança comportamental do individuo. A base de formação do caráter do cidadão que orientava o seu comportamento ético, aos poucos, foi cedendo lugar para o interesse individual de acumulação de riqueza, sem a preocupação com o coletivo.

Consequentemente o individualismo, o perverso processo de corrupção, a formação de grupos de interesse, a proximidade da política com o crime organizado e a formação proposital de uma grande massa pobre dependente do sistema, instituíram um novo modelo de sociedade inibidora de estratégias de combate à desigualdade socioeconômica.

Entretanto, parece existir uma luz! A pista é de que alternativas relevantes podem estar baseadas nos princípios da teoria econômica institucional, onde o tratamento para os grupos fragilizados passa pelo trabalho cooperativo, a escala por território, a interação universidade – governo – empresa e a instituição de governança endógena. Evidente que estes elementos carecem de discussões aprofundadas individualmente.

*Alcimar das Chagas Ribeiro

Economista, professor da Uenf e membro da Academia Campista de Letras

 


Produto Ilusório Bruto campista*

*Artigo publicado na coluna Opiniões do Jornal Folha1, Campos dos Goytacazes, no dia 27 de dezembro de 2023.
Link para acesso: https://opinioes.folha1.com.br/2023/12/27/alcimar-e-william-pib-ilusorio-de-campos-na-pauta-de-2024/

A análise do Produto Interno Bruto (PIB) de municípios produtores de petróleo, como Campos dos Goytacazes, revela ilusões e merece ponderações. O pico do PIB de Campos foi registrado em 2012, ao valor de R$ 59,5 bilhões. Em 2013, o PIB campista desceu para R$ 58,3 bi, caindo para R$ 58,0 bi em 2014, despencando para R$ 34,2 bi em 2015, descendo ao mínimo de R$ 17,3 bi em 2016, e tornando a subir para R$ 21,1 bi em 2017 e para R$ 32,3 bi em 2018, para tornar a descer para R$ 29,1 bi em 2019 e para R$ 23,9 bi em 2020. Em 2021, o PIB campista fechou o ano totalizando R$ 37,2 bi. Portanto, pelas contas do IBGE, a economia campista cresceu 56% somente entre 2020 e 2021, número que reflete, na verdade, a ilusão da produção do petróleo no mar, e não a realidade da dinâmica econômica na terra.

Este apontamento é importante porque, na imprensa, muitos gestores municipais vincularam o resultado do PIB dos Municípios Brasileiros 2021, divulgado pelo IBGE no último 15 de dezembro, ao efeito de uma administração municipal propositiva, com consistente investimento público e geração de emprego formal.

Na verdade, o PIB dos chamados “municípios produtores de petróleo” é inflacionado tanto pela produção de óleo e gás na plataforma continental, contabilizado como Valor Adicionado Bruto (VAB) da Indústria destes municípios, quanto pela arrecadação de royalties e participações especiais do petróleo pelas prefeituras, sobretudo a parcela convertida em massa salarial no setor público e no setor privado pela circulação das “petrorrendas” na economia.

Assim, o PIB não deve ser tomado como um indicador representativo da dinâmica econômica local, captada muito melhor pelo emprego formal, especialmente o emprego no comércio, de natureza mais endógena. O comércio costuma empregar trabalhadores que residem nas proximidades do próprio estabelecimento (ou, pelo menos, que residem no mesmo município), adicionando consumo, faturamento, contribuição tributária, massa salarial e mais consumo na própria circunvizinhança geográfica.

Os números da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), contabilizam um total de 85.094 trabalhadores formais em Campos em dezembro de 2021, com uma remuneração média de R$ 2.830,11. A data de 31 de dezembro de 2021 foi encerrada com o comércio campista assinando a carteira de 22.758 funcionários e pagando remuneração média de R$ 1.890,43.

Quando confrontados, a título de exemplo, aos números de Macaé – segundo o IBGE, com um PIB bastante inferior ao de Campos (apenas R$ 17,7 bi contabilizados em 2021) –, observa-se, com maior nitidez, a fragilidade comparativa da dinâmica econômica campista. Macaé encerrou 2021 gerando 122.420 vínculos formais, com remuneração média de R$ 6.720,92 (esta, naturalmente, inflacionada pelos valores pagos pela indústria do petróleo, que oferece as maiores remunerações do trabalho em todo o planeta). Já o comércio macaense, que assinou a carteira de 12.963 funcionários, remunerou com a média de R$ 2.587,84.

Estes números são indicativos de um maior dinamismo e uma maior produtividade da economia macaense na comparação com a atividade campista. O dinamismo e produtividade superiores de Macaé estimula a conhecida pendularidade de residentes campistas por motivo de trabalho. Predominantemente de perfil masculino e de classe média, esta pendularidade é uma das responsáveis pela manutenção da primeira residência em Campos de um total não desprezível de trabalhadores da indústria do petróleo. A continuidade da divulgação dos resultados do Censo 2022, sobretudo com a disponibilização dos microdados, indicará a dimensão e o impacto desta pendularidade para a economia, a demografia e a urbanização não apenas campista, mas de todos os municípios da Região de Bacia de Campos.

Assim, a observação do PIB, sem as necessárias ponderações, enquanto variável isolada, especialmente em um território produtor de petróleo, como Campos dos Goytacazes, pode levar a equívocos de avaliação do cenário econômico municipal. Dessa forma, o objetivo deste artigo é o de oferecer a contribuição do Nuperj/Uenf para o debate público, para a discussão sobre o PIB e para a interpretação dos resultados do PIB dos Municípios Brasileiros, divulgado no último 15 de dezembro, pelo IBGE, chamando a atenção para a necessidade de uma maior dinamização da economia campista, com estímulo à diversificação de sua estrutura produtiva.

No teatro político do ciclo eleitoral de 2024, no palco da agenda dos prefeitáveis, a proposição da sustentabilidade econômica para Campos e Região para o período pós-petróleo e pós-royalties precisa assumir o papel de protagonista, em vez da figuração de simples coadjuvante. Afinal, tanto a extração de óleo e gás pelas plataformas marítimas quanto as receitas do petróleo têm natureza extraordinária, finita e volátil e, uma vez esgotadas, revelarão o produto ilusório do Produto Interno Bruto campista.

Alcimar das Chagas Ribeiro, economista, professor da Uenf e Diretor científico do Nuperj/Uenf

William Passos, geógrafo com especialização doutoral em estatística pelo Ence/IBGE e analista estatístico do Nuperj/Uenf

 


Possíveis alternativas exitosas para combater a crise do setor sucroalcooleiro fluminense*

*Artigo publicado no Jornal Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, no dia 07 de junho de 2023.

É evidente a visão de consenso em relação a alguns dos problemas que desafiam a evolução do setor sucroalcooleiro na região Norte Fluminense. Dentre eles, podemos citar o problema relacionado ao tamanho médio das propriedades (87% têm menos que 15 hectares), o que é um fator inibidor da escala no contexto microeconômico. Um outro fundamento se relaciona à tecnologia de cultivo. Segundo lideranças do setor, o estado de São Paulo está, pelo menos, vinte anos à frente da região, que é a referência canavieira no estado do Rio de Janeiro.

Aliás, até na pesquisa e desenvolvimento da cana planta, a região se atrasou em relação ao Espírito Santo, estado parceiro na aquisição de matéria-prima para o processamento de açúcar e álcool. Ainda em relação à tecnologia, as pequenas propriedades da região apresentam características que são incompatíveis com as práticas de manejo associadas às máquinas plantadeiras e colheitadeiras disponíveis no mercado.

O entendimento sobre estes aspectos é essencial, porém, as estratégias de solução para o aumento da produtividade e competitividade setorial apresentam dificuldades, já que são práticas antigas com pouco impacto sobre a realidade presente.

Apesar da boa capacidade de articulação política das lideranças do setor, a postura reativa, em relação às formas inovativas de gestão, dificulta a abertura para novas perspectivas no campo do conhecimento científico. O foco não avança do âmbito do arcabouço político e das práticas já conhecidas e experimentadas. São velhas receitas propostas para solucionar problemas modificados por um contexto dinâmico.

Dessa forma, pode-se observar que os esforços para a obtenção de incentivos e captação de recursos de capital para subsidiar o setor se caracterizam na estratégia fundamental. Como exemplo, a luta política para caracterizar a região das condições do regime semiárido e a consequente garantia dos benefícios associados, que se arrasta por décadas. Soma-se a esse elemento a consistente pressão por juros subsidiados para financiamento aos produtores, além da incessante luta por transferências de recursos públicos para a aquisição de máquinas e equipamentos para operar a atividade.

Embora sejam demandas antigas e importantes, o sucesso da obtenção pode não garantir o cumprimento dos objetivos esperados pelo referido setor. Podemos afirmar que estão em descompasso com as reais necessidades para o avanço competitivo do negócio. São questões pontuais que, isoladamente, não têm força para solucionar os problemas de ordem estrutural que exigem ações integradas.

O êxito da atividade econômica exige a presença do conhecimento científico integrado inter e multidisciplinar, além de uma visão sistêmica da questão.

É preciso considerar que a organização da produção a partir de propriedades individuais com área média agricultável de 15 hectares, por mais que tenha acesso aos incentivos financeiros e/ou transferência de tecnologia, não garantirá a escala necessária, tampouco a produtividade ideal para a sustentabilidade das atividades.

Os atuais indicadores do setor são claros a esse respeito. Com uma capacidade potencial de processamento industrial de aproximadamente 3,5 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, foram processados somente 1,6 milhões de toneladas em 2022. Para a safra de 2023, existe um certo pessimismo das lideranças em função da irregularidade das chuvas. Nesse caso, os mesmos consideram a possibilidade de redução da oferta de matéria-prima, que, somada ao ingresso de mais uma usina processadora, pode consolidar um ambiente não tão favorável. À forte demanda por matéria-prima pode pressionar o aumento de preços e o custo de produção, que já é elevado (perto de 65% das receitas de venda), considerando a atual fronteira da produção.

São unidades produtivas de baixa produtividade e elevada ociosidade, fato que favorece à baixa rentabilidade, mesmo com o benefício de programas de incentivos fiscais.

Todo esse contexto nos leva à reflexão de que o setor não terá musculatura para se sustentar com o tempo. A combinação da baixa produtividade da matéria-prima e do processo industrial, da fragilidade tecnológica, falta de confiança de parte dos produtores, terras ociosas, dúvidas sobre a continuidade dos benefícios fiscais e pressão dos preços da cana-de-açúcar no setor, é explosiva e, se não observada com certo cuidado, corre o risco de sua inviabilidade em um futuro próximo.

Evidente que as opções de concertação existem e, naturalmente, todos torcemos para o êxito da atividade econômica, especialmente, pelas características de cultivo da cana-de-açúcar, da sua importância energética, além das possibilidades de organização produtiva como cadeias de valor.

A contribuição aqui indicada vai na direção da reflexão sobre a necessária mudança de visão sobre o negócio em pauta. Seguindo as orientações da abordagem endógena do desenvolvimento econômico, as características do paradigma rural 3.0 da OCDE pode ser bastante útil.

Primeiro reconhecer que o desenvolvimento da atividade precisa ser definido dentro do quadro territorial e não setorial. A escala de produção é o território, não a propriedade. Segundo, as atividades econômicas devem ser reestruturadas de forma a maximizar e reter os benefícios dentro do território local, valorizando os recursos físicos e humanos no local. Terceiro, o desenvolvimento deve ser contextualizado como foco nas necessidades, capacidades e perspectivas das pessoas no contexto do território.

O atendimento desses objetivos ainda exige: o investimento em infraestrutura no campo; o uso de metodologias sociais voltadas para viabilizar a ação coletiva; a estruturação de um modelo de governança; e o planejamento com foco na identificação e uso dos recursos locais em direção à necessária reestruturação produtiva voltada para a competitividade regional e o bem-estar social.

* Alcimar das Chagas Ribeiro, economista e professor da UENF


Contribuições para a reflexão sobre desenvolvimento socioeconômico nas mesorregiões Norte e Noroeste Fluminense*

* Texto originalmente publicado no site do jornal Folha da Manhã em 12/04/2023
Link para acesso: https://www.folha1.com.br/artigos/2023/04/1289738-alcimar-chagas-contribuicoes-para-a-reflexao-sobre-desenvolvimento-socioeconomico-nas-mesorregioes-norte-e-noroeste-fluminense.html

O exercício de reflexão sobre a temática do desenvolvimento econômico nos leva a resgatar alguns elementos representativos, contidos nas discussões presentes na segunda metade do século passado. Ou seja, o espaço de nação como menor unidade de análise, a visão estratégica de atração de grandes empresas para os espaços periféricos, o investimento público como indutor do mesmo processo e, fundamentalmente, a esperança de automaticidade no que diz respeito ao espraiamento das externalidades positivas.

Os anos se passaram e a frustração foi evidenciada, já que o esperado desenvolvimento econômico sustentável com redução da desigualdade social não foi materializado. A resposta efetiva foi o aprofundamento do hiato entre países pobres e ricos. Os países chamados periféricos sofreram mais e viram a sua capacidade evolutiva se deprimir ao longo do tempo.

As nações mais desenvolvidas entenderam primeiro esta dinâmica e provocaram o debate sobre desenvolvimento regional, entendendo que o espaço de nação como a menor unidade de análise pode ser um problema, já que as suas correspondentes regiões apresentam diferenças marcantes.

Inicialmente, a tese do conhecimento e da inovação endógena foi considerada como estratégica para o avanço da competitividade das empresas mais bem qualificadas, condição esta garantidora de externalidades positivas. Por sua vez, este processo tenderia a afetar positivamente as outras empresas do mesmo território, dada a condição de proximidade. A visão de automaticidade do processo foi mantida, sem que se materializassem os resultados esperados. As desigualdades continuavam latentes.

Paralelamente, experiências vindas da Europa criavam grandes expectativas de transformação para as regiões periféricas. Pequenas empresas e instituições públicas e privadas de natureza diferente conseguiam se articular com foco em objetivos comuns. Usando múltiplas estratégias na busca pela competitividade empresarial no mercado globalizado, territórios específicos conseguiam gerar riqueza e bem-estar social, a partir do planejamento dos recursos locais/regionais. Importante a observação de que os pesquisadores identificaram um DNA propício à presente evolução nos mesmos territórios.

A organização produtiva dos Distritos Industriais da Itália e outras regiões da Europa exibiram o que podemos classificar de Capital Social, elemento fundamental na construção do processo de cooperação como mecanismo de desenvolvimento econômico. Podemos considerar neste processo a existência de aprendizado interativo na inovação industrial e no processo institucional.

Este contexto foi extremamente favorável à evolução da taxa de criação de empreendimentos responsáveis pela geração de emprego, renda, tributos e bem estar da população local. Na literatura internacional, podem ser observadas pelo menos duas formas de organização produtiva, segundo o contexto indicado. Uma organização do tipo top down, onde uma empresa-mãe coordena um sistema composto por um conjunto de pequenas empresas em uma estrutura vertical, e há uma outra, do tipo flexível, composta por um conjunto de pequenas empresas que atuam complementarmente, tendo como base a cooperação e reciprocidade.

A presente trajetória evolutiva do desenvolvimento econômico a partir dos esforços implementados, inicialmente com foco no mercado (segundo os economistas clássicos), a posterior mudança dirigindo o foco para o estado (demanda efetiva keynesiana) e o seu redirecionamento para a empresa (microeconomia neoclássica) são fundamentais para reforçar o aprendizado necessário na busca de novas estratégias fundamentais para países e regiões com fragilidade socioeconômica.

Soma-se a esta discussão, ainda, a importância do esforço de investimento em ciência e tecnologia básica, capaz de potencializar a inovação endógena que antes ficou concentrado nas empresas ganhadoras. A heterogeneidade entre as mesmas unidades produtivas contribuiu para a centralização da inovação, fato que deve ser considerado no processo de busca das estratégias em benefícios de países e regiões periféricas.

A partir desta discussão, fica evidenciado que, em países com sistemas econômicos fragilizados (caso do Brasil), o processo de concertação socioeconômico precisa considerar aspectos muito específicos. A visão regional é fundamental e precisa vir acompanhada da necessária identificação dos recursos tangíveis e intangíveis no contexto do território. Esses representam insumos fundamentais do processo de construção do planejamento dirigido para busca de geração de negócios, com produtividade padrão no contexto das tecnologias disponíveis e, naturalmente, na investigação sobre a sua viabilidade econômica.

É necessário também desmistificar o foco da mão única (mercado, estado ou empresa). No território periférico, o foco deve ser dirigido para as instituições e empreendedores do espaço em análise. A cooperação e a reciprocidade são fundamentais e se fortalecem com base no seu DNA (capital social), onde as instituições são comprometidas e capazes de estruturar uma governança para a organização da produção em redes. Neste caso, cadeias de produção são planejadas para viabilizar uma estrutura de oferta de bens e serviços competitivos no contexto do mercado, assim como para consolidar as condições de bem-estar local.

Importante considerar que as instituições diretamente ligadas a este processo têm responsabilidades efetivas, e o comprometimento é a base dos resultados exitosos. À universidade e centros de pesquisa desenvolvem conhecimentos fundamentais, os governos têm a responsabilidade em dotar o território da infraestrutura necessária à mudança de patamar de qualidade devida, e os empreendedores têm o papel de produzir para atender às necessidades das famílias internamente e em outros mercados.

* Alcimar das Chagas Ribeiro, economista, professor da UENF, membro da ACL e diretor do NUPERJ

 


 

Contribuições para a Transformação Socioeconômica no Território Fluminense*

* Texto originalmente publicado no site do jornal Folha da Manhã em 30/10/2022
Link para acesso: https://www.folha1.com.br/artigos/2022/10/1285647-alcimar-chagas-contribuicoes-para-a-transformacao-socioeconomica-no-territorio-fluminense.html

Este momento tão importante para a sociedade brasileira, cuja polarização política divide o país, acentua discussões acaloradas de pouca efetividade para o bem estar da população. Porém, representa substancial oportunidade de reflexão sobre os verdadeiros caminhos que levam a transformação socioeconômica.

Este ponto de partida nos leva em direção a problemática da questão, a qual materializa elementos inibidores do avanço das políticas públicas voltadas para o aumento da produção, aumento do emprego, aumento da renda, redução da desigualdade social, redução da pobreza, etc.

As fraquezas indicadas ocorrem no contexto da visão deturpada de que a solução para os graves problemas socioeconômicos do país depende, exclusivamente, das políticas macroeconômicas advindas do Governo Federal. Uma visão simplista, já que as mesmas políticas (cambial, fiscal, financeira) não chegam com a mesma dimensão em todos os territórios da nação. Tal fato fortalece a ideia de que jogar o foco somente para Brasília é um erro grave que alimenta a desigualdade e a pobreza.

Observem que, especialmente, as políticas de fortalecimento do comércio exterior privilegiam estados exportadores em detrimento dos não exportadores. Podemos confirmar esta afirmativa com os dados relativos a 2021. A parcela equivalente a 55,45% das exportações do país foi concentrada em 14,81% dos estados brasileiros com participação individual acima de 10% (São Paulo 19,31%; Minas Gerais 13,70%; Rio de Janeiro 11,89% e Pará 10,55%).

Já os outros 41,16% das exportações foram concentradas em 37,04% dos estados com participação abaixo de 10% até 1% (são dez estados). Porém os últimos 3,5% das exportações são geradas por 48,15% dos estados com participação de menos de 1% (são 13 estados).

Estes indicadores deixam evidente que uma política de desenvolvimento com foco no comércio exterior, através do gerenciamento do câmbio, não garante um maior equilíbrio entre os estados e, consequentemente, a redução da desigualdade social no país.

Por outro lado, uma política fiscal alimentada por fluxos financeiros também deixa dúvidas. O caso da política de distribuição de royalties e participações especiais da produção de petróleo, que nos últimos vinte anos irrigou de forma substancial os orçamentos dos municípios produtores, especialmente nos estados Rio de Janeiro, Espírito Santo, comprovam que esse incremento alimentou um substancial aumento do custeio. A referência da Bacia de Campos como produtora de petróleo no país é incompatível com a letargia econômica dos municípios beneficiados pelas rendas oriundas da mesma atividade. Veja (RIBEIRO, Alcimar 2020).

O mesmo autor analisou a trajetória da bacia Petrolífera de Campos, o padrão de dependência orçamentárias dos municípios produtores às rendas petrolíferas e o declínio da produção e produtividade a partir de 2009, quando a bacia atingiu o seu ponto de inflexão com 87% da produção de petróleo do país.

Os resultados da análise confirmaram a hipótese de ineficiência da gestão pública e a ausência de planejamento na indução de uma melhor dinâmica econômica real no território. Como reflexo, observou-se a perda da capacidade de investimento tanto na região, quanto no estado do Rio de Janeiro.

Nesse paradoxal ambiente de exuberante fluxo de capital, desperdício e retração econômica, as atividades tradicionais da agropecuária são acentuadas como alternativa ao petróleo. Porém os discursos repetidos não apresentam nenhum teor inovativo, condição esta que aborta as mesmas possibilidades, mesmo antes de sua implementação.

É neste contexto que surge no âmbito da Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF, o Núcleo de Pesquisa Econômica do Norte Fluminense – NUPERJ. A instituição tem como objetivo motivar o debate econômico sobre o Rio de Janeiro e seus territórios, a partir da organização de dados e pesquisas científicas que possam apoiar a formulação de políticas públicas.

Entendendo que o combate à pobreza e a desigualdade passam por uma maior dinâmica do sistema econômico, a estratégia de planejamento da ampliação da oferta de bens e serviços deve ser priorizada.

Neste caso, está em construção uma estrutura analítica que visa explicar os fundamentos do desenvolvimento local/regional. Trata-se de um modelo piloto, com diagnóstico a partir dos estudos elaborados pelos técnicos do Comitê da Bacia Hidrográficas do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana, cujo foco é a utilização dos recursos hídrica dos canais (Muriaé, Vigário, Paraíba do Sul, São Bento e Coqueiros) para irrigação agrícola ao longo do território.

Diversos elementos inovativos estão inseridos na presente estrutura. Inicialmente, o mapeamento dos recursos locais como vantagens comparativas e a incorporação de conhecimento na busca do padrão de vantagem competitiva, em substituição a ideia de vocação econômica.

Em um passo adiante, a unidade de produção mesoeconômica extrapola a visão micro, que apresenta dificuldades em relação a escala, planejamento, gestão, produtividade, uso de tecnologia e logística. A mudança é mais efetiva para o sucesso do território e da organização coletiva.

Entretanto, é preciso considerar o problema da confiança como gargalo importante do processo. A contribuição inovativa é o avanço do capital social (capacidade de cooperação e reciprocidade entre os atores envolvidos), a partir da implementação da metodologia da Pesquisa Ação.

Complementa o esforço a aplicação do método da Tríplice Hélice, materializada na integração entre a universidade-governo-empresa, a qual tem a responsabilidade de instituir uma estrutura de governança responsável por identificar e solucionar gargalos inibidores da competitividade regional. Esse processo de reestruturação dá vida aos elos de cadeias produtivas, responsáveis pela geração de trabalho para diferentes níveis de escolaridade, renda e bem estar da sociedade.

Esta visão sistêmica no âmbito do desenvolvimento local permite a redução da desigualdade social, em função da integração multi e interdisciplinar e instituições de interesse que buscam um objetivo comum.

Estas contribuições são fundamentais para a transformação socioeconômica do território fluminense, já que o aprendizado coletivo possibilita além da competitividade das atividades tradicionais, uma maior capacitação dos trabalhadores e empresas para a absorção de externalidades positivas, oriundas dos grandes projetos exógenos.

 

* Alcimar das Chagas Ribeiro, economista, professor da UENF, membro da ACL e diretor do NUPERJ

 


 

Uma discussão sobre a revitalização da Bacia Petrolífera de Campos*

* Texto originalmente publicado no site do jornal Folha da Manhã em 10/07/2022
Link para acesso: https://www.folha1.com.br/artigos/2022/07/1283405-alcimar-chagas-uma-discussao-sobre-a-revitalizacao-da-bacia-petrolifera-de-campos.html

O artigo discute as reais possibilidades de revitalização da Bacia Petrolífera de Campos, considerada uma bacia madura, com mais de quatro décadas de operação no norte do estado do Rio de Janeiro. A importante produção da bacia marítima, ao longo desse período, é resultado de um grande esforço do país, fundamentalmente, a partir da segunda metade do século XX, com a criação da Petrobras, consistentes investimentos de capital e relevantes parcerias externas no campo tecnológico.

Esses elementos, por si só, justificam a necessidade de revitalização da bacia, que muito contribuiu para a geração de riqueza para o país, para o estado e para os municípios envolvidos direta e indiretamente.

A nível de informação, as indenizações de royalties e participações especiais sobre a produção de petróleo na Bacia de Campos renderam R$ 17.250,3 milhões em valores reais para Campos dos Goytacazes e R$ 10.182,7 milhões para Macaé no período de 2011 a 2021 (INFOROYALTIES, 2022).

No campo técnico, alguns aspectos são importantes para entender a urgência do processo de revitalização da bacia petrolífera. Em 2010, a sua produção atingiu o pico de 2,05 milhões de barris de petróleo dia, representando 78,4% da produção nacional. Em 2021, a produção foi contabilizada em 793 mil barris dia, representando somente 21,6% do total (ANP, 2022).

Em termos de produtividade, especialistas do setor apontam um fator médio de recuperação em torno de 14%, com uma taxa de declínio de 12% ao ano. Esta taxa é muito superior à taxa de 5% referente à atividade no Mar do Norte. Por outro lado, com a garantia de investimentos de capital na bacia, a taxa de recuperação poderá atingir 24%, ou seja, mais 71% em relação à taxa efetiva já registrada (ABPIP, 2022).

Neste caso, necessariamente surge uma indagação: sim, por que não investir? Trata-se de uma resposta bastante complexa, que passa pela descoberta da Bacia de Santos, na camada pré-sal, em 2008. Esta bacia foi descoberta na esteira da evolução tecnológica de exploração da Petrobras em águas marítimas profundas e ultra profundas. Os campos descobertos apresentaram elevada viabilidade econômica, em função da melhor qualidade do petróleo e da maior produtividade. Novos investimentos de capital internos e externos foram viabilizados pelo alto preço da commodity e demanda persistente, especialmente da Ásia.

No ano de 2021, ou seja, 13 anos depois, esta bacia registrou uma produção de 2,6 milhões de barris/dia, representando 70,3% da produção nacional, o que garantiu largo interesse dos grandes operadores, inclusive da Petrobras, em detrimento da Bacia de Campos.

Neste caso, como o investimento do pós-sal da Bacia de Campos ficou menos interessante para grandes operadores, as expectativas foram dirigidas para a possibilidade dos pequenos e médios operadores ocuparem os espaços deixados pelos grandes. Entretanto, as condições são complexas.

Dados do Diesse/FUP indicam que, do total de R$ 47,4 bilhões investidos pela Petrobras no ano passado, R$ 38,4 bilhões ou 81% foram destinados para a E&P nos campos do pré-sal.

Existem tecnologias disponíveis para a revitalização dos campos maduros, tais como: EOR (Recuperação Aprimorada de Petróleo); Sidetracking, Reinjeção de água ácida; Recuperação microbiana, dentre outras, com resultados bastante positivos no exterior. Internamente, o Ministério de Minas e Energia, a ANP e a Petrobras desenvolvem ações para atração de investimentos de pequenos operadores, como a criação do Promar (Programa de Revitalização e Incentivo à Produção de Campos Maduros). Esta iniciativa agrupa instituições do setor para discutir os condicionantes que possam viabilizar a extensão de vida útil dos campos maduros.

Todavia, a percepção dos gestores do setor é de que existem dificuldades consistentes que são inibidoras de investimento por parte de pequenos operadores. Estas dificuldades estão no âmbito da própria legislação, que precisa ser adaptada à nova realidade.

Um primeiro exemplo pode ser verificado nos contratos do pós-sal, que exigem uma declaração de comercialidade de 4 a 6 anos e um prazo final de dez anos. Segundo os especialistas, isso pode inviabilizar o negócio. Para a extensão da vida útil dos campos e viabilidade das acumulações marginais, exige-se tratamento especial.

Outro aspecto diz respeito à segurança jurídica, em que questões trabalhistas antigas elevam os custos dos operadores. Para facilitar o fluxo de investimento, os representantes dos pequenos operadores exigem maior celeridade nos processos e propõem a criação de uma superintendência para campos maduros.

Exigem também uma redução do bônus de assinatura no programa exploratório mínimo, assim como a redução da taxa para pagamento de royalties dos atuais 10% para 5%. Na verdade, o marco regulatório, que foi criado em uma situação diferenciada, precisa ser revisto nesse atual momento de queda de produção e fuga dos grandes operadores para a exploração na camada pré-sal.

Com base neste contexto, podemos deduzir que existem questões fundamentais que precisam ser equalizadas, de forma a inibir as incertezas sobre a decisão de investimento. Trata-se de condição fundamental para a viabilidade econômica do processo de revitalização da Bacia de Campos.

 

*Economista membro da Academia Campista de Letras (ACL) e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf)

 

Referências Bibliográficas

 

https://inforoyalties.ucam-campos.br/informativo.php

https://abpip.org.br/pt/

https://www.gov.br/anp/pt-br/

https://aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/8025-participacao-da-petrobras-nos-dos-investimentos-pais-desaba


 

Alcimar Chagas: O setor agropecuário como alternativa à dependência do território fluminense às rendas do petróleo – algumas contribuições*

* Texto originalmente publicado no site do jornal Folha da Manhã em 10/11/2020.
Link para acesso: http://www.folha1.com.br/_conteudo/2020/11/artigos/1267174-alcimar-chagas-o-setor-agropecuario-como-alternativa-a-dependencia-do-territorio-fluminense-as-rendas-do-petroleo–algumas-contribucoes.html?fbclid=IwAR2IJmiNxT7618f0JSqgretPLWpK5ea_ad9me0Dlm2EzyUgj2AaqEZrV-hc#

Vivemos um ano de total complexidade. Uma pandemia de abrangência mundial, que se instalou gerando evidentes dificuldades no campo socioeconômico, cujos reflexos são agudos no aprofundamento da desigualdade social e da pobreza globalmente.

É nesse contexto que o país escolhe os representantes políticos para os seus mais de cinco mil municípios. O território fluminense, mais especificamente as regiões Norte e Noroeste Fluminense, com os seus traços de heterogeneidade, se encontram nesse mesmo turbilhão e serão o objeto da nossa análise.

As diferenças marcantes entre os 22 municípios das regiões podem ser observadas através do que podemos classificar de acidente histórico. Cinco desses municípios são produtores da bacia petrolífera de Campos, que se consolidou na corrida à autossuficiência de petróleo do país em 1975, a partir da descoberta do campo de Namorado, o primeiro gigante da plataforma continental brasileira (LUCCHESI, 1998).

O mesmo acidente histórico ampliou, de sobremaneira, os orçamentos desses municípios em função das transferências de royalties e participações especiais, como verbas compensatórias da exploração de petróleo. Com o tempo, essa condição gerou um sentimento de injustiça em relação aos outros municípios, culminando em uma nova proposta de redistribuição de royalties no país.

Entretanto, a Lei 12.734, de novembro de 2012, teve o seu dispositivo suspenso por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Recentemente, foi fixada a data de 3 de dezembro deste ano para o seu julgamento, porém uma forte pressão das lideranças do estado do Rio de janeiro culminou com a retirada de pauta do mesmo processo pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), sem definição de uma nova data.

Mesmo assim, a situação é de grande apreensão, já que esses municípios produtores não responderam às expectativas da população, apesar da condição orçamentária diferenciada. Mesmo afastado o risco imediato da redistribuição dos royalties, o quadro fiscal continua grave, porque a produtividade da Bacia de Campos é declinante e sem perspectivas de retorno à condição de abundância anterior. Especialmente a situação de Campos dos Goytacazes, o maior município do território, com um orçamento bilionário e uma população um pouco acima de 500 mil habitantes.

Esse quadro de dificuldades, à luz dos embates políticos para as eleições dos novos representantes municipais, tem possibilitado a formulação de propostas diversas para reverter a condição socioeconômica dos mesmos municípios. Em função da formação econômica histórica do território, os municípios dependentes das rendas petrolíferas vêm defendo o investimento no setor agropecuário como alternativa ao problema, depois de ter deixado a atividade por muitos anos em segundo plano.

Considerando o ano base de 2010, a área colhida em hectare no estado regrediu 48,13% em 2019. A região Norte Fluminense regrediu ainda mais, ou seja, 55,73%, e a região Noroeste regrediu 39,07% no mesmo período. Já na pecuária leiteira, podemos observar uma queda de 11,62% no volume produzido de leite no estado do Rio de Janeiro, uma queda de 22,0% na região Norte Fluminense, e uma queda de 20,91% na região Noroeste Fluminense, considerando o mesmo período (IBGE).

Vejam que o prévio diagnostico não é nada animador, e a lembrança da importância do setor como possível alternativa aos graves problemas de ordem socioeconômica, por si só, não adianta muito. É preciso mostrar como esse setor, com as suas muitas deficiências, pode se materializar na alternativa tão falada pelos líderes da região.

As diversas análises sobre o setor convergem para o mesmo resultado. Estamos falando de um setor econômico importante, em função do número representativo de pessoas envolvidas e da sua relevância na produção de alimentos. Poderíamos afirmar que o setor é muito mais do que atividades estritamente econômicas, já que assume um papel social de extrema relevância, dada a possibilidade de fixar o homem no meio rural, além de sua inserção no trabalho.

Na verdade, a atuação do setor segue parâmetros tradicionais de cunho microeconômico, onde são identificados elementos, tais como: mercado com características de oligopsônios, unidade produtiva com escala individual, baixo padrão de informação e conhecimento, difícil acesso ao crédito compatível com o negócio, custos altos de produção, informalidade elevada, baixo padrão tecnológico, baixo padrão de produtividade e frágil capacidade competitiva. Mesmo apresentando bom nível de volume de produção, o setor agropecuário nas regiões Norte e Noroeste Fluminense não gera um padrão de riqueza suficiente para projetar o quadro de desenvolvimento regional esperado.

A partir da identificação de gargalos importantes e inibidores do avanço qualitativo do setor, a contribuição dessa proposta vai no sentido da formulação de um novo modelo operacional nos moldes de uma reestruturação produtiva, o que muda totalmente a natureza dos processos produtivos.

Uma primeira observação é de que a competitividade é primordial em qualquer negócio, já que no sistema capitalista prevalece o mercado. Daí não existir dúvidas de que um setor que opera nas condições já identificadas anteriormente não tem nenhuma chance de sobrevivência. Aliás, basta ir ao supermercado mais próximo e poderá verificar que produtos alimentícios da mesma natureza dos que produzimos no território são importados de outras partes do país. Pasmem, até a merenda escolar, em municípios como Campos dos Goytacazes e São João da Barra, é comprada de outros estados.

Uma segunda observação nos leva a pensar na necessidade de mudança na estrutura produtiva, onde a ação individual deve ser substituída pela ação coletiva. Trata-se de um sistema de organização produtiva a partir da visão de redes, com predominância para a eficiência coletiva que, segundo Nadvi (1997), deve ser considerada como elemento ativo das economias externas marshallianas. No caso específico, as externalidades positivas, envolvendo tanto aspectos tangíveis como intangíveis, podem ser internalizadas a partir da cooperação entre os agentes e atores de interesse local.

De forma bastante simples, a ideia é construir uma rede de proteção para que o setor possa eliminar os gargalos existentes. A interação entre universidade, governo e firmas (ETZKOWITZ; LEYDESDORFF, 1997) deve ser idealizada e planejada para o fortalecimento do ambiente econômico fragilizado, identificando os recursos tangíveis e intangíveis, elaborando o planejamento e estratégias com foco na produção de produtos e serviços de base no conhecimento e consequente valorização. O olhar sistêmico para o ambiente econômico local, priorizando o contexto mesoeconômico, é uma alternativa que exige o comprometimento coletivo no processo de absorção do fluxo de capital e na geração de valor para a economia local (RIBEIRO E HASENCLEVRE, 2019).

Essa complexa estrutura, entretanto, exige “Capital Social”, elemento que molda o desempenho das instituições sociais de acordo como os atores confiam uns nos outros. Segundo Putnam (2005), esse comportamento de cooperação e regras de reciprocidades tende a superar os dilemas coletivos nas comunidades cooperativas. Essa questão parece ser um problema a resolver no território em análise.

A superação desse problema pode ocorrer com a implementação do modelo da hélice tríplice (interação universidade – governo – empresa) como instrumento de planejamento, onde um processo de governança se estabeleça em torno de uma atividade, inicialmente como projeto piloto. Uma proposta é pensar o projeto piloto a partir da produção leiteira, dentro dos princípios já discutidos. A figura a seguir sistematiza analiticamente o modelo, considerando como base o sistema de produção local/territorial, onde deve se materializar a escala. O planejamento deve ter início com a identificação dos recursos tangíveis e intangíveis do território em análise, em um segundo momento a implementação de ações estratégicas para formação de capital social, seguido pela formação de economias de aglomeração e o planejamento e gestão da produção integrada.

 

A implantação do modelo expande a cadeia produtiva, criando elos adicionais de agregação de valor ao produto comercializado em seu primeiro estágio. A nível de informação, o produto final que a cadeia açucareira no território representa é maior 3,73 vezes que o valor da cana-de-açúcar, matéria prima principal do processo.

A proposta aqui formalizada tem como insumo de base a produção leiteira, que deve avançar a jusante para diferentes produtos derivados. A justificativa está em sua grande relevância em termos de volume. A produção leiteira na região Norte Fluminense atingiu 84.453 mil litros em 2019, e a região Noroeste produziu 105.958 mil litros, acumulando um total de 189.411 mil litros no território, equivalentes a 43,8% da produção total do estado no mesmo ano.

São 93.079 cabeças de vacas ordenhadas na região Noroeste Fluminense e 61.885 na região Norte Fluminense. O total de 154.964 vacas ordenhadas nas mesorregiões equivalem a 46,79% do total de vacas do estado. A produtividade regional atingiu 1.222,29 litros/vaca/ano em 2019, volume menor 6,29% em relação à produtividade no estado e menor 42,95% em relação à produtividade no país.

Os números apresentados mostram que existe muito espaço para o crescimento dessa atividade nas regiões indicadas, o que poderia afetar, positivamente, a expansão do emprego e da renda, com reflexos na redução da desigualdade e pobreza. A evolução gradativa das atividades poderia afastar a dependência das rendas petrolíferas, no caso dos municípios produtores de petróleo, e modernizar os sistemas econômicos dos municípios que vivem das atividades tradicionais.

 

*O autor é economista, pós-doutorado em economia, professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf)

 

Referências bibliográficas

 

TZKOWITZ, H.; LEYDESDORFF, L. (eds.) Universities in the Global KnowledgeEconomy: A Triple Helix of University – Industry-Government Relations, London. Pinter, p. 197-201, 1997.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. https://www.ibge.gov.br/

LUCCHESI, Celso, F. Petróleo. Estudos Avançados 12 (33), 1998.

NADVI, K. The cutting edge: collective efficiencyand international competitiveness in Pakistan. Discussion Paper, Brighton: Universityof Sussex / IDS, n. 360, 1997.

PUTNAM, R. Comunidade e Democracia: A Experiência da Itália Moderna. 4.ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2005, 257 p.

RIBEIRO, A e HASENCLEVER, L. Investigação sobre a capacidade de absorção de externalidades positivas geradas por grandes projetos no Estado do Rio de Janeiro. Rev. Econ. NE, Fortaleza, v. 50, n. 2, p. 133-145, abr./jun., 2019.