No intuito de chamar a atenção da população para a reflexão ética e social no cuidado com os animais, a UENF está lançando luz sobre a Campanha Nacional Dezembro Verde, que tem como foco combater o abandono e os maus-tratos contra animais.
A campanha Dezembro Verde na UENF abrange diversas ações de comunicação para a conscientização da população, que englobam, além de conversas e conteúdos comunicacionais, alertas através de cartazes e banners em pontos estratégicos da universidade.
Docente de Fisiologia e Bem-estar Animal na UENF e especialista em Direito Animal, a professora Rosemary Bastos, uma das responsáveis pela campanha na universidade, lembra que as ações dentro do Dezembro Verde têm como principal objetivo conscientizar a sociedade sobre o abandono de animais, uma prática que configura crime no Brasil, conforme a Lei Federal n.º 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) e a Lei Federal n.º 14.064/2020 (Lei Sansão).
As penas vão de dois a cinco anos de reclusão para crimes de maus-tratos contra cães e gatos, além de multa e perda da guarda.
— A campanha busca incentivar a guarda responsável, destacando que adotar um animal significa um compromisso durante toda a sua existência. Além disso, o Dezembro Verde também visa educar a população sobre a importância de denunciar casos de abandono, reforçando que cuidar de um animal não é apenas um ato de compaixão, mas também de responsabilidade legal e ética — reforça a professora.
Além de a campanha convidar toda a comunidade acadêmica e local para a reflexão sobre o compromisso ético e social com os animais, ela destaca a importância de medidas preventivas como a castração, a adoção responsável e a conscientização sobre o abandono.
Segundo o grupo realizador, ao aderir ao Dezembro Verde, a UENF reafirma o seu papel na construção de uma sociedade mais justa e solidária para todos os seres vivos.O professor João Almeida, que é assessor da Pró-Reitoria de Extensão da UENF (PROEX) e membro do Grupo de Trabalho de Bioética e Bem-Estar Animal da Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários (ProAC), aponta que é crucial que as pessoas entendam que os animais desenvolvem vínculos afetivos profundos com seus tutores. Que, para os animais, o abandono é um evento traumático, comparável ao que um ser humano sentiria ao ser rejeitado pela própria família.
— Embora os animais não possuam a mesma compreensão racional que nós, essa falta de entendimento torna o abandono ainda mais dramático, semelhante ao sofrimento de uma criança que não compreende o porquê foi deixada para trás — diz o professor.
João ainda sugere que, em vez de optar pelo abandono, seria melhor buscar a ajuda de profissionais para encontrar outras soluções.
— O Hospital Veterinário da UENF oferece atendimento social para cães e gatos, e nossos veterinários estão disponíveis para orientar tutores sobre cuidados básicos, medicação e alimentação adequada. Dessa forma, trabalhamos para evitar que o abandono seja necessário. Por isso, campanhas como o Dezembro Verde são tão importantes. Elas não apenas incentivam o não abandono, mas também mostram que estamos aqui para oferecer suporte e orientação, ajudando os tutores a cuidar melhor de seus animais e a fortalecer essa relação, que é baseada na responsabilidade e no afeto — aponta.
Situação do abandono de animais no Brasil e mundo
A professora Rosemary recorda que a questão dos animais em situação de rua é motivo de grande preocupação. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que cerca de 200 milhões de animais estejam nessa condição globalmente, com 30 milhões deles no Brasil.
— Este aumento da população de animais abandonados no Brasil surge como um grande desafio na saúde pública. Essa realidade evidencia a importância de iniciativas como a campanha Dezembro Verde, criada no Brasil para conscientizar a população sobre os graves problemas relacionados ao abandono de animais, um ato que constitui maus-tratos, sendo considerado crime pela legislação brasileira. Esta campanha foi criada em 2015, em Fortaleza, no Ceará, quando surgiu a necessidade de chamar a atenção da sociedade para combater essa prática, principalmente durante o fim do ano, quando os índices de abandono costumam aumentar — explica.
Legislação aponta abandono de animais como prática criminosa
A professora reforça, ainda, que no Brasil, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, estabelece que é dever do poder público e da sociedade proteger a fauna, proibindo práticas que submetam os animais à crueldade, conforme o inciso VII.
— A legislação brasileira é clara ao afirmar que é direito de todos os seres vivos a proteção contra a crueldade, evidenciando a responsabilidade de cada cidadão e do Estado na preservação do bem-estar animal — diz.
Já a Lei Federal de Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98) e Lei Federal n.º 14.064/20, que aumenta as penas para maus-tratos aos animais (para cães e gatos), são instrumentos legais que reforçam essa proteção, estabelecendo punições para quem infringir os direitos dos animais.
Rosemary lembra, também, que a Lei Estadual n.º 8.145/2018 (que alterou a lei n.º 3.900/2002) instituiu o código de proteção aos animais no Estado do Rio de Janeiro, visando defendê-los de abusos, maus-tratos e outras condutas cruéis.
— O abandono de animais é um ato criminoso que configura maus-tratos, e os responsáveis devem ser devidamente punidos. Diante de uma situação de abandono, é fundamental agir, realizando a denúncia pelos números 190, 2723-1177 e 181, com a opção de fazê-la de forma anônima. É essencial que a sociedade cobre o cumprimento das leis por ser dever da polícia atuar em casos de maus-tratos, visto que configura crime. No entanto, muitas vezes ainda enfrentamos dificuldades para efetivar essas denúncias de forma ágil e eficiente, mas é fundamental que continuemos cobrando para o sistema funcionar corretamente e a proteção e os direitos dos animais sejam garantidos conforme a legislação brasileira — afirma.
Os diversos tipos de abandono
Dentro da Campanha Dezembro Verde, também é reforçado o fato de que o abandono de animais não se limita às ruas, mas a ausência de cuidado dos tutores, de uma forma geral.
— Deixar um animal no quintal ou em casa enquanto viaja, sem cuidados adequados, é também uma forma de maus-tratos e configura crime. Quando um tutor se ausenta e deixa o animal sem alimentação, água ou cuidados básicos, o sofrimento do animal é imensurável. Essa prática, muitas vezes vista como uma solução temporária para a viagem, além de resultar em sérios danos físicos e emocionais ao animal, é crime e deve ser punida pelas leis. Por outro lado, o abandono também pode ocorrer em casa, quando o animal é negligenciado, mesmo sendo fisicamente presente. Não dar atenção, não oferecer alimentação adequada, cuidados veterinários e interação social são atitudes que configuram maus-tratos — ressalta a professora da UENF.
Além do Dezembro Verde, a professora Rosemary lembra que o mês de dezembro tem ainda mais relevância, já que no dia 10 deste mês é celebrado o Dia Internacional dos Direitos dos Animais.
— Esta data nos lembra da urgência em respeitar e proteger os direitos dos animais, sendo um momento de reflexão sobre o nosso papel na preservação de sua dignidade, bem-estar e direitos fundamentais — pondera.
Abandono de animais na UENF
Aderir à campanha na UENF é ainda mais relevante devido ao número preocupante de animais abandonados no campus, principalmente no final do ano, segundo a professora Rosemary.
Ela pontua que, ao abraçar essa causa, a universidade não apenas reforça a importância de ações locais para enfrentar o problema, mas também se alinha a um movimento nacional que busca promover responsabilidade, respeito e bem-estar animal.
Diretora do Hospital Veterinário da UENF, a professora Helena Hokamura diz que falar sobre o abandono de animais é abordar um tema complexo e multifacetado.
— Quando fazemos um recorte para os animais de companhia como cães e gatos, observamos que os animais abandonados são aqueles que se encontram enfermos, mutilados, paralíticos, idosos ou gestantes. A não compreensão por parte do responsável legal por esses animais de que o animal é um ser vivo, que sente dor, medo, sede, frio, fome, ansiedade, desvela muito das ações do abandono. Quem abandona um animal não os enxerga como seres vivos que possuem direito à vida, mas os vê como objetos e coisas que podem ser adquiridas ou descartadas a bel prazer ou conveniência — observa.
De acordo com a professora Helena, determinar a razão do abandono é bastante complexo, mas na grande maioria das vezes o fator determinante é a indisponibilidade emocional e legal do ato de cuidar.
— Na rotina hospitalar veterinária, encontramos um contingente de responsáveis legais que, alegando dificuldades econômicas e, apresentando comprovantes de análise socioeconômica de hipossuficiência financeira, querem e se prontificam a cuidar de seus animais com todo o carinho e responsabilidade sob os cuidados e orientação profissional. Assim, afirmar que o fator principal que leve ao abandono seja o econômico, talvez não reflita a realidade em sua máxima — defende.
A diretora destaca, ainda, que num recorte para os animais de trabalho, como os cavalos de tração, existem outras variáveis a serem consideradas. Ela indica que, neste caso, as dificuldades econômicas de se manter um animal desse porte, aliadas à hipossuficiência financeira de seu responsável legal, talvez seja um dos fatores que levam ao abandono.
— Mas, quando observamos os cavalos abandonados, observamos que esses são, em sua maioria, animais maltratados pelo trabalho de tração de carga excessiva que levam a problemas locomotores e agravados pela má alimentação. Na impossibilidade desses animais exercerem o trabalho, acabam sendo abandonados à própria sorte. São animais, na sua maioria, de meia idade a idade mais avançada, que são vistos como objetos de trabalho e não como seres vivos que possuem inteligência, que são capazes de aprendizado e de desenvolvimento de laços afetivos — avalia.
Maior índice de abandono de animais no fim de ano
As especialistas apontam que o abandono de animais ocorre ao longo do ano todo, mas é ao final dele que os índices aumentam em todas as cidades, em especial, nos espaços públicos urbanos e periurbanos.
Os motivos são muitos. A proximidade das festividades do final do ano, assim como as longas viagens programadas para os festejos e férias escolares trazem à tona a necessidade de cuidados especiais com estes animais de estimação.
— Durante a ausência prolongada de seus responsáveis legais, quem seria designado para cuidar deles? Isso significa encontrar uma hospedagem de curta a longa permanência para esses animais de companhia e arcar com os custos da hospedagem. Assim, para aqueles que enxergam o animal como mero objeto, acreditam que a solução mais prática venha a ser o abandono nos mais diferentes locais (praças, terrenos baldios, campus universitários, beira de rios e córregos, mata, etc.) — diz Helena.
A diretora do Hospital Veterinário analisa também que, infelizmente, algumas pessoas têm a compreensão equivocada de que um hospital veterinário escola “tem a obrigação” de cuidar de todos os animais “indesejados” por estes tutores e que, portanto, seria o local onde poderiam se desresponsabilizar daqueles animais que um dia optaram ter mas que, agora, como um objeto não mais desejado, querem se desvencilhar da forma que acreditam “trazer menos culpabilidade” para sua consciência.
— Diante dos inúmeros casos de abandono e considerando ser esse um ato criminoso, o Hospital Veterinário se viu na condição de instalar câmeras de segurança e realizar treinamento de seu quadro de vigilância para o monitoramento constante de forma a coibir tais atos — conclui.
Importância do poder público neste contexto
A especialista em Direito Animal, professora Rosemary defende que a intervenção do poder público é crucial na formulação e execução de políticas públicas específicas ao manejo populacional de animais e à prevenção do abandono.
— Medidas como o registro e a identificação de animais, o desenvolvimento de programas de educação humanitária sobre a guarda responsável, a implementação de regulamentações locais, a realização de campanhas massivas de castração, a vacinação e o estímulo à adoção responsável são pilares fundamentais para a promoção do bem-estar animal e, simultaneamente, para a proteção da saúde pública. Isso ocorre porque a gestão adequada da população animal contribui para a prevenção de zoonoses — enfatiza.
A professora defende, ainda, que a oferta de serviços médico-veterinários gratuitos ou de baixo custo, especialmente em regiões mais vulneráveis, não apenas reduz os índices de abandono e maus-tratos, mas também diminui os riscos sanitários associados à transmissão de doenças.
— A articulação dessas medidas no contexto de políticas públicas integradas, baseada no conceito de Saúde Única, regula a interdependência entre a saúde humana, animal e ambiental. Essa abordagem integrativa não só previne zoonoses, mas também promove ambientes mais equilibrados e seguros, fortalecendo os ecossistemas e contribuindo para a saúde coletiva — defende a professora.
(Jornalista: Thábata Ferreira)