‘Abril Laranja’: mês de prevenção à crueldade contra os animais

O mês de abril é dedicado em todo o mundo à defesa dos direitos animais, e a UENF não está alheia a esta questão. A professora de Fisiologia e Bem-estar Animal e especialista em Direito Animal Rosemary Bastos, da UENF, ressalta a importância do “Abril Laranja”— campanha internacional criada em 2006 pela Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade contra os Animais (ASPCA).

Ela observa que o Estado do Rio de Janeiro incluiu o “Abril Laranja” em seu calendário oficial através da Lei n.º 10.279 de 2024. E, na Câmara dos Deputados, vem tramitando desde 2023 o projeto de lei 2.519, que propõe a instituição oficial em todo o país do “Abril Laranja”. O projeto já recebeu parecer favorável da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e aguarda apreciação do Senado Federal.

— Independentemente de termos uma lei federal específica, a campanha vem ganhando força em várias esferas da sociedade, sendo amplamente divulgada nas mídias sociais. O objetivo principal é prevenir a crueldade contra os animais, conscientizando a população sobre a importância do cuidado e respeito aos animais. Ao mesmo tempo, alertar para as diversas ações consideradas maus-tratos, quais as leis pertinentes à proteção animal, bem como incentivar a denúncia e orientando como proceder — afirma a professora.

Segundo Rosemary, a escolha da cor laranja está associada à ideia de alerta, empatia e transformação. Ela ressalta que o reconhecimento da senciência dos animais é relevante para a prevenção da crueldade, e que esta não se resume somente à violência explícita, mas também está presente no abandono, na negligência física e emocional, na exploração e omissão.

Cientistas reconhecem que animais são seres sencientes

— A senciência é definida como a capacidade que os animais têm de perceber e sentir o ambiente de forma consciente, incluindo a experiência de sensações físicas, com dor e prazer, bem como estados emocionais, como medo, alegria e sofrimento — explica.

O reconhecimento da senciência dos animais teve seu marco em 2012, com a Declaração de Cambridge, quando diversos pesquisadores de todo o mundo redigiram um documento com embasamento científico no qual incluíram não só os animais vertebrados como também invertebrados — como o polvo — como seres sencientes.

Em 2021, foi publicado um relatório pela London School of Economics and Political Science (LSE), que revisou evidências de centenas de estudos científicos sobre dois grupos de animais invertebrados, os moluscos cefalópodes (polvos, lulas e chocos) e crustáceos decápodes (caranguejos, lagostas, camarões e lagostins), desta forma o governo do Reino Unido incluiu estes animais na lista de seres sencientes.

UENF oferece disciplinas sobre Bem-Estar Animal

Rosemary ressalta que a universidade também tem um papel relevante não somente durante as principais campanhas direcionadas à conscientização, entre elas o Abril Laranja, mas também no contexto do ensino. Rosemary coordena disciplinas na graduação e na pós-graduação sobre Bem-Estar Animal.

 — Em 2007,  na matriz curricular da Graduação, foi incluída a disciplina “Bem-Estar Animal”, que passou a ser obrigatória em 2024 para os alunos de Medicina Veterinária e Zootecnia. Também na Pós-Graduação, a disciplina passou a ser ofertada a partir de 2024, uma vez que abrange, além da questão do bem-estar para as diversas espécies, discussões sobre ética animal e a legislação a respeito do assunto — conta.

A professora também coordena projetos de extensão que abordam o bem-estar animal, enfatizando a senciência, guarda responsável, maus-tratos e legislação de proteção. Além de eventos nas escolas — como palestras, teatro de fantoche, distribuição de material educativo —, também é feito um trabalho educativo entre os frequentadores do Hospital Veterinário da UENF.

— Durante a espera do atendimento no hospital, também realizamos conversas e divulgamos material informativo para acompanhantes e tutores de animais, contribuindo não apenas com o conhecimento, mas também criando um espaço de escuta e troca com a comunidade externa, reforçando o papel essencial da universidade dentro desse contexto — explica a professora, acrescentando que também é feita divulgação de materiais nas mídias sociais na forma de vídeos, postagens e conteúdos em datas importantes, com o intuito de informar e conscientizar a sociedade, alcançando um público mais amplo.

Além disso, a professora Rosemary e outros voluntários (protetora Jocielma Manhães e alunos) atuam nos cuidados aos animais comunitários da UENF, contando com o apoio de doações realizadas por pessoas de dentro e de fora da comunidade acadêmica. Ela destaca a contribuição do Projeto Patas de Mel, bem como o suporte dos profissionais do Hospital Veterinário, da Prefeitura da UENF e do Grupo de Trabalho de Bioética e Bem-estar Animal/ProAC, que vêm contribuindo para uma melhoria da qualidade de vida destes animais que foram vítimas do abandono.

Epidemia de abandono em Campos dos Goytacazes

Segundo a legislação, a crueldade, maus-tratos e abuso de animais são considerados crimes, não se limitando aos animais de companhia, como cães e gatos, mas abrangendo os animais silvestres, de produção, de trabalho, utilizados no entretenimento, na educação, em testes e experimentação, sendo todos protegidos pela legislação.

Para Rosemary, o município de Campos dos Goytacazes vive uma epidemia de abandono, com um número alarmante de animais doentes e atropelados abandonados pelas ruas, em casas vazias ou deixados semanas sozinhos sem os cuidados necessários no período de festas de fim de ano, feriados e férias — o que configura negligência e abandono.

— Outra situação comum são cães presos em correntes e cordas. Contudo, os maus-tratos não englobam somente cães e gatos, mas também os animais utilizados na tração animal, que muitas vezes trabalham carregando peso excessivo, sem descanso, água e alimento. Quando chegam à velhice, esses animais são abandonados pelas ruas, quando não são mortos. Outra situação são animais vendidos em lojas e mercados em situações precárias, configurando maus-tratos, como é o caso de passarinhos presos em gaiolas — afirma.

A questão afeta também os animais silvestres. A professora chama a atenção para a situação dos saruês, que muitas vezes são mortos pela população com requintes de crueldade. Além da função ecológica desses animais, ela ressalta que a dignidade de todos os animais deve ser respeitada, uma vez que estes possuem direitos fundamentais e estão protegidos pela legislação.

Vídeos de animais escondem crueldade contra animais

— Inúmeros vídeos de animais nas mídias sociais configuram situação de maus-tratos. Os mais alarmantes, utilizados para terem visualizações e likes, são vídeos falsos de animais em situações diversas que são resgatados, mas, na verdade, é a própria pessoa que coloca o animal na situação e filma dizendo que foi realizado o resgate. Isso tem se propagado de forma alarmante, tirando a credibilidade de protetores independentes e ONGs sérias que fazem trabalhos importantes dentro da proteção animal — diz.

Ela cita ainda casos de vídeos de animais silvestres em situações que  podem parecer, à primeira vista, curiosas ou engraçadas, mas que, na verdade, configuram desrespeito. É o caso, por exemplo, de macacos utilizando roupas de criança, tomando mamadeira etc.

— Importante destacar que, por trás destes vídeos aparentemente ingênuos, existe uma série de situações alarmantes de crueldade, entre eles a caça de animais, principalmente das mães mortas para que os filhotes sejam retirados e vendidos, fomentando o tráfico de animais. Dentro deste contexto é necessário que haja uma regulamentação destas postagens nas redes sociais, visto a necessidade de impedir o impulsionamento destes vídeos, o que pode levar muitas pessoas a acreditarem que tais ações são normalizadas, mas, na verdade, são consideradas crueldade, configurando crime pela legislação — ressalta a professora.

 

Ligação entre violência humana e animal

— É importante ressaltar que é nítida a conexão entre a violência humana e a violência contra os animais, o que chamamos de Teoria do Elo, já estudada em muitos países, inclusive no Brasil, sendo necessária a quebra deste ciclo de violência — diz.

Em 2022, a professora Rosemary e a médica veterinária Stella Gioia Branco, que foi sua orientada de TCC, publicaram um artigo sobre este tema com mulheres vítimas de violência doméstica.

Elas classificaram seis padrões que o animal representa no contexto da violência doméstica: a válvula de escape, no qual o animal é usado de forma violenta pelo agressor para aliviar o estresse ou para direcionar uma agressão dirigida à vítima humana; a figura de proteção (sendo tanto o protetor quanto o protegido); um instrumento de violência para coagir ou ameaçar a vítima; instrumento de controle financeiro; meio de vingança contra a vítima humana; e como um instrumento para a propagação da violência (onde o agressor ensina a vítima a praticar a violência usando o animal).

— Portanto, mais do que conscientizar, precisamos de políticas públicas englobando um trabalho árduo com toda a sociedade. Não se pode falar de violência, excluindo os animais, que também são vítimas. Não se pode ter um mundo compassivo, excluindo no debate aqueles que não podem se defender. Sob o aspecto do conceito do Bem-estar Único que reconhece uma interconexão do bem-estar humano, bem-estar animal e meio ambiente, torna-se ainda mais evidente que a construção de uma sociedade ética e saudável em todas as esferas depende de ações integradas e comprometimento de todos os setores da sociedade — afirma Rosemary.

Como podemos definir maus-tratos, abuso e crueldade?

A resolução n.º 1.236 de 2018 do Conselho Federal de Medicina Veterinária considera:

Maus-tratos: qualquer ato, direto ou indireto, comissivo ou omissivo, que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoque dor ou sofrimento desnecessários aos animais.

Crueldade: qualquer ato intencional que provoque dor ou sofrimento desnecessários nos animais, bem como intencionalmente impetrar maus tratos continuamente aos animais.

Abuso: qualquer ato intencional, comissivo ou omissivo, que implique no uso despropositado, indevido, excessivo, demasiado, incorreto de animais, causando prejuízos de ordem física e/ou psicológica, incluindo os atos caracterizados como abuso sexual.

Alguns exemplos de maus-tratos a animais incluem:

  • privá-los de alimentação adequada ou de acesso à água potável;
  • abandoná-los ou mantê-los presos continuamente em cordas, ou correntes;
  • negligenciar a oferta de assistência veterinária sempre que necessária;
  • confiná-los em espaços inadequados, insalubres ou com falta de higiene;
  • deixá-los sem proteção contra sol, chuva, frio, ou privados de luz natural e ventilação;
  • submetê-los a atividades que excedam sua força física, especialmente sob dor ou sofrimento;
  • obrigá-los a esforços físicos prolongados (superiores a quatro horas) sem oferta de água, alimentação e descanso;
  • promover ou incentivar lutas entre animais;
  • agredi-los fisicamente, mutilá-los ou adotar práticas que resultem em dor e sofrimento;
  • utilizar animais em espetáculos que lhes provoquem pânico ou estresse;
  • engordar aves de forma forçada e mecânica;
  • envenená-los ou capturá-los na natureza;
  • praticar abusos de natureza sexual;
  • realizar procedimentos invasivos ou cirúrgicos sem o uso adequado de anestesia, analgesia e cuidados higiênico-sanitários, conforme normas técnico-científicas.

Importante destacar que os animais são protegidos pela legislação:

– A Constituição Federal de 1988, no artigo 225, inciso VII, estabelece que é dever do Poder Público proteger a fauna, proibindo práticas que submetam os animais à crueldade.

– A Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal n.º 9.605/1998), em seu artigo 32, criminaliza atos de abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação de animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Inclui também a proibição de experiências dolorosas ou cruéis em animais vivos, mesmo para fins didáticos ou científicos, quando houver recursos alternativos. Penalidades: detenção de três meses a um ano e multa. Em caso de morte do animal, a pena é aumentada de um sexto a um terço.

– A Lei Sansão (Lei Federal n.º 14.064/2020) agravou as penas nos casos de maus-tratos contra cães e gatos, com penalidades: reclusão de dois a cinco anos, multa e proibição da guarda do animal.

No estado do Rio de Janeiro:

– A Lei Estadual n.º 7.194/2016 responsabiliza todo indivíduo que utilizar animais para situações de fretamento, transportes de cargas, materiais ou pessoas, nas áreas urbanas e rurais, por quaisquer atos que caracterizam maus-tratos aos mesmos.

– A Lei Estadual n.º 8.145/2018 (que alterou a Lei n.º 3.900/2002) institui o Código de Proteção aos Animais no Estado do RJ. Define como maus-tratos, entre outras condutas:

  • Oferecer animais como brindes;
  • Conduzir animal sem descanso;
  • Privar o animal de água, alimentação adequada e abrigo contra intempéries;
  • Impedir a locomoção, o conforto térmico, sonoro, a ventilação e a higiene;
  • Negligenciar o socorro ao animal ferido ou acidentado, sendo responsável pela omissão.

 

Onde denunciar maus-tratos a animais?

 

Campos dos Goytacazes/RJ

8º Batalhão da Polícia Militar (PMERJ)

Telefones: 190 ou (22) 2723-1177

Ou diretamente na delegacia

Rio de Janeiro (capital)

Aplicativo Disque-Denúncia RJ

Telefones: 181 ou (21) 2253-1177

Ou diretamente na delegacia

Demais localidades do Brasil

Polícia Militar (190)

Ou delegacia local

Ministério Público Federal

Site: www.mpf.mp.br/servicos/sac

Safernet (para crimes na internet)

Site: www.safernet.org.br

Para denúncias de crueldade ou apologia aos maus-tratos online

IBAMA (em casos envolvendo animais silvestres)

Linha Verde: 0800 61 8080

 

Como denunciar?

 

  1. Canais de denúncia:

Telefone, aplicativos ou sites oficiais.

  • Informações necessárias:

Relato claro dos fatos;

Características do(s) animal(is);

Endereço completo;

Data e horário da ocorrência;

Informações sobre o(s) agressor(es), se possível (nome, aparência, veículo etc.).

  • Anonimato: denúncia pode ser feita de forma anônima.
  • Evidências (quando possível):

Fotos e vídeos;

Laudo ou atestado veterinário;

Nome de testemunhas;

Endereço dos envolvidos

  • Importante:

É dever da autoridade policial registrar a denúncia.

A recusa pode configurar o crime de prevaricação.

Nesse caso, é possível apresentar queixa ao Ministério Público ou à Corregedoria da Polícia Civil.

 

 

NOTÍCIAS

EDITAIS