“A sociedade ainda é um termômetro para o Congresso Nacional”, afirma historiador

A mobilização neste domingo em várias capitais do país contra a PEC da Blindagem e a anistia do ex-presidente Jair Bolsonaro é um bom sinal de que a sociedade ainda inunda e transpassa as pautas do Parlamento Brasileiro

(Historiador Fábio Py)
Professor Fábio Py

“A única coisa que mete medo em político é a voz rouca das ruas”. Esta frase é de Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, que elaborou a Constituição de 1988, uma conquista da democracia brasileira após 24 anos de ditadura militar. A nova ordem jurídica do estado democrático de direito esteve ameaçada, mas mostra-se viva após décadas.

O domingo, 21/09/25, foi de manifestações contra a anistia para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a PEC da Blindagem ou PEC das Prerrogativas, uma alteração da Constituição para proteger parlamentares de processos criminais. O povo deu o recado para os deputados federais que querem legislar em causa própria.

Na entrevista a seguir, a Gerência de Comunicação da UENF (ASCOM) ouviu Fábio Py, coordenador de disciplina do curso de Licenciatura em Pedagogia da UENF/CEDERJ e coordenador dos projetos “A Frente Parlamentar Evangélica e a ascensão de Bolsonaro até a presidência (2016 a 2022)” financiado pela FAPERJ (APQI) e “Neoliberalismo e cidadania territorial: uma cartografia dos projetos e ações sociais das Igrejas Evangélicas no território brasileiro”, financiado pelo CNPq.

Leia abaixo:

ASCOM/UENF – Qual sua análise sobre o comportamento da sociedade em relação às medidas do Congresso Nacional?

FÁBIO PY – As maiores respostas foram dadas agora sobre as medidas do Congresso. Como, por exemplo, o que se deu domingo agora no país, quando várias capitais tiveram mobilização contra a PEC da Blindagem. Então, isso é um bom sinal de que a sociedade ainda inunda e transpassa as pautas do Parlamento Brasileiro. E que, por exemplo, agora o Hugo Motta (presidente da Câmara dos Deputados), acabou de dizer que não vai pautar a questão da anistia agora, vai ter que esperar um tempo, voltou atrás desse processo. Então, isso é também fruto dessa organização que aconteceu no domingo e que hoje (segunda-feira, 22/09/25) já teve essa resposta, e uma resposta rápida. Então, a sociedade ainda é um termômetro para o Congresso Nacional.

ASCOM/UENF – E sobre a polarização e ataque da direita em todo mundo?

FÁBIO PY – A questão da polarização é uma forma bem habitual de construção política. Desde a revolução francesa há indícios de uma certa díade quando se pensa em termos de políticos. Basta lembrar dos republicanos e democratas nos Estados Unidos e outras caminhadas em outros países. Esta polarização vem sendo estruturada entre setores mundiais de extrema-direita e setores de centro-esquerda. No Brasil, nos últimos 10 anos, isto vem sendo uma constante quando o PSDB deixa de fazer parte desta polarização e os setores ligados ao bolsonarismo começam a escalar. E a extrema-direita vem ganhando cada vez mais corpo em termos mundiais, seja pela caminhada de um viés secular, mas também de viés religioso. Existem financiamentos religiosos ligados à Opus Dei da parte da Espanha, a partir de figuras do Cinturão da Bíblia nos Estados Unidos também, financiamentos bem ostensivos aos demais setores da extrema-direita mundial. Então, é uma tendência mundial, um processo muito claro de transnacionalização dessa extrema-direita, um processo de uma nova versão do imperialismo americano, europeu, sobre o mundo a partir da extrema-direita. Assim, a polarização deve seguir e, pelo que está se desenhando, a figura que mais reverbera esta polarização da extrema direita, com a prisão de Bolsonaro, é Tarcísio de Freitas, de São Paulo, que deve seguir este capital político.

ASCOM/UENF – Há pouco mais de um ano das eleições 2026, qual o cenário político que se apresenta no Brasil?

FÁBIO PY – A questão agora é quem vai carregar o espólio do Bolsonaro. Isso está sendo resolvido. A Michelle Bolsonaro já foi um nome importante. Ela não mobiliza uma candidatura de uma forma tão direta, mas mobiliza o setor evangélico, especialmente o setor evangélico feminino brasileiro. Mas a figura da vez agora do partido Liberal é o Tarcísio de Freitas. O Tarcísio e sua relação direta com o Bolsonaro. Mas também um pouco essa sua versão ligada a uma certa pragmática da gestão PT, da Dilma, depois desse governo de São Paulo que o Tarcísio está executando, que o Tarcísio está aplicando.

A questão é se o Tarcísio vai operar dentro da radicalização do bolsonarismo e trazer o eleitorado de Bolsonaro tão para perto ou se vai se manter como uma figura da direita para pegar um pouco o voto do setor de centro-direita. O Tarcísio é uma figura da extrema-direita brasileira, mas que vez ou outra faz performances políticas perto do setor de centro-direita brasileira. Então o Tarcísio opera normalmente no setor da extrema-direita, mas tem viabilidade com setores da direita clássica. Claro que tem rompantes autoritários. Uma prova disso foi a eleição do Tarcísio em São Paulo. O Tarcísio consegue se colocar para dialogar com o setor da centro-direita de São Paulo, especialmente no setor onde opera o PSDB. Tarcísio consegue fazer isso muito bem.

ASCOM/UENF – Qual vai ser a participação dos protestantes brasileiros na eleição?

FÁBIO PY – Como sempre intensa. O setor evangélico no Brasil é um setor de visibilidade pública. Os protestantes tradicionais, batistas, presbiterianos, metodistas, vão seguir, ao que parece, vinculados diretamente ao projeto de alguma forma ligado ao bolsonarismo. E inclusive a Universal vai seguir dentro deste panorama, pelo que está parecendo, com uma série de ações internas da igreja voltadas para o bolsonarismo. Embora tenha vinculações, agora mais diretas, com o PT, com o governo. Mas a campanha da Universal, ao que parece, vai ser feita junto à radicalização do setor de extrema direita. Provavelmente o candidato é o Tarcísio de Freitas, atual governador de São Paulo.

ASCOM/UENF – Você considera que a religião pode influenciar o voto dos brasileiros?

FÁBIO PY – A religião sempre influencia no voto do brasileiro. Pode não ser de uma forma tão direta, mas sempre influencia. O catolicismo também se vincula com o universo conservador, mas também tem mais cancha com os setores mais de centro, aí o PT entra neste jogo. Mas os setores evangélicos majoritariamente votam nos setores conservadores de extrema direita, até por conta de uma afinidade com as pautas entre esses setores — conservadorismo, família, esse tipo de coisa.

ASCOM/UENF – Quais as pautas mais polêmicas para os protestantes brasileiros?

FÁBIO PY – Os setores da frente parlamentar evangélica trabalham com essa noção de família tradicional brasileira. E aí, então, tudo que gira em torno disso, desde a questão LGBT, as mulheres etc. Mas também há pautas problemáticas, ligadas à extrema-direita, que vão sendo estrategicamente destroçadas ou retiradas das áreas de discussões, como, por exemplo, a questão do armamento, que não é uma questão tão simples. Historicamente, os evangélicos são contra as armas no Brasil. Então, isso pode ser um fator importante de aproximação de setores mais progressistas, mais à esquerda, com setores evangélicos. Essas pautas podem vir à tona ou então ser retiradas do processo. Em torno dessa pauta de família tradicional, essa questão da ideologia de gênero, como sendo um lugar de influência sobre o corpo das crianças, isso é alguma coisa que sempre influencia demais o conservadorismo brasileiro. Então, isso tem que ser também considerado. Como que as redes sociais e as plataformas digitais vão mobilizar esses temas, vão mobilizar as pessoas das igrejas, as pessoas que não frequentam as igrejas, como isso vai ser mobilizado? Isso é um elemento importante para hoje, sobretudo. Então, as pautas vêm sendo retiradas, pelo menos de uma primeira vista porque tentaram passar semana passada, na noite, essa questão da anistia, que interessa sobretudo à extrema-direita e alguns setores evangélicos.

ASCOM/UENF – Algo mais a acrescentar, que você considere importante?

FÁBIO PY – É claro que a questão da radicalização do setor de Bolsonaro é uma coisa que preocupa. Preocupa quem será, por exemplo, a figura agora que vai assumir o lugar de Bolsonaro e também o impacto do bolsonarismo, com os próprios filhos influenciando os setores dos Estados Unidos contra o Brasil e tal. Isso é uma pauta importante, inclusive uma pauta que pode beneficiar, sobretudo, o setor da esquerda brasileira, que já vem se valendo dessas pautas para poder reverter. O governo Lula está tentando reverter a desaprovação ao seu governo a partir da defesa pela nação. Então, esses elementos são importantíssimos no processo.

(Jornalista: Wesley Machado – Foto: Cassiane Falcão – ASCOM/UENF)

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