
Ao ministrar a aula inaugural do ano letivo de 2025 na UENF, a professora e escritora quilombola Gessiane Ambrosio Nazário defendeu a participação ativa das universidades na melhoria da educação escolar quilombola. Com o tema “A educação escolar quilombola e os desafios para a licenciatura”, a aula foi realizada na manhã desta terça-feira, 11/03/25, no anfiteatro do Centro de Convenções Oscar Niemeyer.
A aula inaugural foi precedida da apresentação do Coral da UENF, regido por Érica Pontes e composto por cerca de 70 integrantes, dentre alunos, técnicos e professores da UENF, além de membros voluntários da comunidade. O coro interpretou duas músicas: “Paciência”, de Lenine; e “Magamalabares”, de Carlinhos Brown.

O diretor de Cultura da UENF, professor Giovane Nascimento, apresentou a palestrante, destacando sua atuação, além de educadora, como escritora de livros infantis. Gessiane é autora dos livros “Revolta do Cachimbo: a luta pela terra no quilombo da Caveira” e “Aspino e o boi”.
— A presença de Gessiane hoje aqui abre um espaço importante para uma conversa que a gente precisa ter dentro da Universidade. Precisamos aprender um pouco mais sobre essas comunidades. Ela vem de uma família que é quilombola, foi para a Universidade, e hoje traz aqui um pouco de sua experiência, de sua trajetória acadêmica, mas sempre vinculada à sua prática, que nunca deixou de ser quilombola — disse.

Gessiane iniciou sua palestra explicando o que são comunidades quilombolas, observando que ainda existe muita confusão a respeito do assunto. Segundo ela, muitas pessoas acreditam que tais comunidades remontam aos antigos grupamentos formados por escravos fugitivos, denominados “quilombos” pelos colonizadores. Quando se fala em quilombo, lembrou, logo vem à mente a figura de Zumbi dos Palmares, morto no século XVII. As comunidades quilombolas de hoje são comunidades remanescentes dos grupos de ex-escravos que se formaram após a abolição da escravidão.
— As comunidades quilombolas estão aí para jogar no debate público essa questão da reparação dos direitos dos ex-escravos que não aconteceu. Após a Abolição, muitos tiveram que se submeter a acordos de arrendamento com os fazendeiros, através dos quais podiam continuar vivendo nas terras, mas eram obrigados a trabalhar nas lavouras. Isso aconteceu em várias partes do país, como uma continuidade da escravidão — disse.
Abordando especificamente a história dos quilombos da Região dos Lagos (RJ), ela explicou que, em 1952, os fazendeiros começaram a impulsionar o processo de loteamento das terras tendo em vista o turismo local. Com isso, foram criadas estratégias de expulsão destes grupos camponeses herdeiros dos ex-escravos que haviam permanecido nas terras. No entanto, houve muita resistência das famílias.

— Os mais velhos das famílias da região da fazenda Caveira começaram a se organizar. Foi aí que teve início uma organização política em torno dos direitos territoriais destas pessoas. Naquele momento foi criada a primeira associação e posteriormente um sindicato, que foi a primeira experiência de organização sindical do país — disse.
Segundo Gessiane, o primeiro avanço na legislação veio com a Constituição de 1988, que passou a garantir a proteção desses territórios, sendo considerados, a partir de então, patrimônios históricos da sociedade brasileira. Somente em 1988, de acordo com a professora, consolida-se a ideia da identidade quilombola, a partir da atuação do movimento negro nacional.
— Naquele momento não havia muito a ideia de identidade quilombola. Isso ocorre a partir de 1988, quando as comunidades negras rurais se unem ao movimento negro. Em 1995, durante a Marcha Zumbi dos Palmares, essas comunidades se juntam para criar a sua instituição, a Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conac), e para organizar melhor a luta. A partir daí isso foi se espalhando — disse.

Segundo Gessiane, a identidade quilombola é estruturada a partir de seus territórios. Cada comunidade define para si quais são os elementos que constroem a sua identidade. No entanto, três elementos são fundamentais: terra, parentesco e memória. Por isso, pensar na educação escolar quilombola pressupõe refletir sobre os territórios e as lutas envolvidas para assegurar esse direito. Também é preciso, segundo ela, que a educação quilombola garanta a preservação da memória dos ancestrais dos quilombolas.
— No país, existem atualmente mais de 1 milhão de quilombolas, sendo cerca de 3 mil na região. Continuamos insistindo que é importante as universidades estarem atentas para poder aproveitar esse momento e trazer recursos que serão disponibilizados para fortalecer ações como cursos de licenciatura, especializações, cursos de aperfeiçoamento. É importante que se institucionalize nas universidades a educação escolar quilombola — disse.
Graduada em Pedagogia pela UFF, Gessiane é mestre em Sociologia pela UFF, Doutora em Educação pela UFRJ e Pós-Doutora em História Comparada pela UFRJ. Atua como professora efetiva nas séries iniciais do Fundamental I na Rede Municipal de Armação de Búzios (RJ).
(Jornalista: Fúlvia D’Alessandri – Fotos: Cassiane Falcão / ASCOM/UENF)