Depois de 26 anos do Plano Real — que colocou um fim à hiperinflação dos anos 80 — o fantasma da inflação volta a rondar o Brasil. Estaria o país correndo o risco de voltar ao cenário anterior ao Plano Real? Para o economista Alcimar das Chagas Ribeiro, do Laboratório de Engenharia de Produção da UENF (LEPROD), isto não é uma possibilidade.
Segundo ele, a atual alta dos preços tem sua origem em três fatores: as anormalidades climáticas, a pandemia do coronavírus e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. “Com a desaceleração dessas pressões e o aumento gradativo da oferta de bens e serviços, o quadro tende a mudar. Não acredito no retorno ao período anterior ao Plano Real”, afirma.
Veja a entrevista completa abaixo:
ASCOM / UENF – A volta da inflação a percentuais anteriores ao Plano Real tem provocado muita apreensão no país. Há o risco de voltarmos àquele período?
ALCIMAR – A alta generalizada dos preços, que atinge profundamente as camadas mais frágeis da sociedade, é um processo cíclico, decorrente de anormalidades climáticas, da pandemia do Coronavírus e da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Com a desaceleração dessas pressões e o aumento gradativo da oferta de bens e serviços, o quadro tende a mudar. Portanto, não acredito no retorno ao periodo anterior ao plano real.
ASCOM / UENF – Quais foram os fatores que contribuíram para este aumento tão grande da inflação?
Se voltarmos na década de 2011 a 2020, veremos que a inflação média no país ficou em 5,84% ao ano, portanto abaixo da meta, com dois momentos que merecem destaque. O ano de 2015, quando a inflação atingiu 10,67%, em decorrência dos fortes aumentos dos preços da energia e combustíveis e, em 2017, quando atingiu 2,95%, em função da supersafra e da baixa variação nos preços da alimentação e bebidas.
Com o advento da pandemia, as bases do sistema produtivo foram desestruturadas, em função da necessidade do isolamento social. Empresas foram fechadas e trabalhadores foram isolados, exigindo programas de renda para atendimento à população mais necessitada. Como consequência, o fluxo monetário em desequilíbrio a oferta de bens e serviço pressionou a demanda e o consequente aumento de preços. Posteriormente, a guerra da Rússia com a Ucrânia impactou fortemente, já que esses países detêm parcela importante na exportação de defensivos químicos utilizados na agricultura. Desta forma, os resultados mais aprofundados são sentidos na escala generalizada dos preços, especialmente dos alimentos, no país.
ASCOM / UENF – Como é possível frear esta alta dos preços, trazendo mais tranquilidade e poder de compra para a população brasileira?
ALCIMAR – Eu diria que esse processo já está em andamento. Com a vacinação em estágio bem avançado no país, os investimentos tendem a retornar gradativamente, ampliando a oferta de alimentos. A expectativa de esfriamento dos conflitos entre a Rússia e a Ucrânia também tem papel importante no restabelecimento da ordem mundial, com impactos positivos no amortecimento dos preços externos que estão nas alturas. Acredito que esta onda de elevação de preços vai se desacelerando gradativamente.
ASCOM / UENF – De que forma você acha que esta questão pode influenciar as próximas eleições?
Como a inflação é perversa especialmente para os mais pobres, é evidente que o tema ocupará um espaço nobre nos palanques por ocasião das campanhas. Políticos populistas vão lançar mão da velha retórica de que dominará a inflação e colocará comida barata na mesa dos pobres. Vejo esse discurso com preocupação, já que escondem as verdadeiras causas desse tipo de desequilíbrio. Na verdade, o Brasil é muito dependente de crises externas porque é exportador de commodities e importador de bens com maior padrão tecnológico. É uma questão estrutural que exige políticas de longo prazo, muito distante dos discursos populistas que se diluem com o vento.
ASCOM / UENF – O aumento da inflação diminui o poder de compra, no entanto, o salário mínimo não será reajustado este ano. O RRF também impede os estados de darem aumento a seus servidores. Como você analisa esta questão?
ALCIMAR – O salário mínimo de R$1.212,00 para 2022, foi corrigido pelo INPC de 10,02% apurado em 2021, conforme define a Lei. Na esfera público, realmente a Lei de Responsabilidade Fiscal cria restrições para aumento de servidores, achatando o poder de compra desses trabalhadores. A perda do poder de compra da sociedade é um fator que preocupa, já que tira parte da dinâmica da economia e desemprega fatores. Esta condição tende a ser ampliada no tempo, reduzindo a tributação e o poder de custeio e investimento dos governos. Essa combinação tende a ampliar a pobreza e a desigualdade social.
ASCOM UENF – Há uma luz no fim do túnel ou a tendência é voltarmos aos tempos sombrios das maquininhas anteriores ao Plano Real, quando a inflação era o principal problema do Brasil?
ALCIMAR – O Brasil é um grande país e tem uma capacidade enorme de se auto reestruturar. A década perdida de oitenta ficou pra trás, conseguimos domar a hiper inflação, o país se tornou auto suficiente na produção de petróleo, passamos pela crise americana de 2008 e pela crise internacional do petróleo em 2014. Posteriormente nos ajustamos aos conflitos comerciais entre Estados Unidos e China, passamos pela pandemia e vamos deixar a guerra da Rússia pra trás. Porém vejo como grande problema a política partidária no país. A sociedade precisa entender o seu papel para poder contribuir efetivamente no avanço da democracia. A classe politica deve ser subordinado a população e não o contrário. Mesmo assim, sou otimista e não vejo possibilidade de retrocesso.