Com o objetivo de prevenir e conscientizar a população sobre o combate à crueldade animal, a American Society for the Prevention of Cruelth to Animals (ASPCA), uma das mais antigas organizações de proteção animal do mundo, criou o “Abril Laranja”, mês de prevenção à crueldade aos animais. A UENF desempenha um papel fundamental na questão do bem-estar animal. Na grade curricular dos cursos de Medicina Veterinária e Zootecnia, são ministradas disciplinas de bem-estar animal desde 2007, abordando temas como maus-tratos e legislação.
De acordo com a professora de Fisiologia e Bem-estar Animal e especialista em Direito Animal da UENF, Rosemary Bastos, os alunos têm produzido trabalhos acadêmicos, artigos e ministrado cursos sobre o assunto. Na extensão universitária, outros projetos visam promover a educação e conscientização sobre bem-estar animal e guarda responsável.
— Em escolas, abordamos a legislação para crianças, adolescentes e professores. Também trabalhamos isso com tutores de animais no Hospital Veterinário — explica a professora.
Ela destaca que maus-tratos não se limitam aos animais de companhia, como cães e gatos, mas também abrangem os animais silvestres, de produção, de trabalho, utilizados no entretenimento, na educação, em testes e experimentação.
Alguns exemplos de atos de maus-tratos: manter o animal sem acesso à alimentação ou água; abandonar; deixar o animal preso em cordas e correntes permanentemente; não dar assistência veterinária sempre que necessária; manter os animais em locais pequenos e sem higiene; deixar os animais sem abrigo contra sol, chuva e frio, sem acesso à luz ou à ventilação; obrigar os animais, por meio da dor e sofrimento, a trabalhos excessivos ou superiores à sua força; submeter o animal a trabalho ou esforço físico por mais de quatro horas, sem oferecer água, alimentação e descanso; realizar ou incentivar lutas entre animais; agredir fisicamente, mutilar, agir para causar dor e sofrimento aos animais; utilizar animais em shows que possam lhe causar pânico ou estresse; engordar aves mecanicamente; envenenar; capturar animais na natureza; abuso sexual; executar procedimentos invasivos ou cirúrgicos sem os devidos cuidados anestésicos, analgésicos e higiênico-sanitários, tecnicamente recomendados.Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), há cerca de 200 milhões de animais em situação de rua em todo o mundo, 30 milhões deles apenas no Brasil.
— É importante destacar que é ilegal proibir a alimentação destes animais em locais em condomínios ou instituições públicas/particulares, sendo considerado um ato de maus-tratos conforme a legislação vigente, visto que viola o direito fundamental de proteção à dignidade do animal. Além disso, cavalos na região são frequentemente vítimas de maus-tratos, incluindo sobrecarga de trabalho, falta de alimentação adequada, cuidados veterinários insuficientes, práticas cruéis de treinamento e más condições de vida. Outra prática preocupante é amarrar ou deixar os animais soltos em rodovias/avenidas movimentadas, aumentando o risco de acidentes fatais para os animais e os motoristas — alerta.
Segundo a professora, é essencial observar também os locais que vendem animais (feiras, lojas e petshop), pois na maioria das vezes os animais são mantidos em condições precárias, configurando maus-tratos.
— Outro grande problema relacionado a maus-tratos e crueldade na atualidade é a utilização de animais por influenciadores nas mídias sociais, ampliando o alcance de práticas inadequadas e impactando negativamente o bem-estar dos animais. Esses animais são submetidos a ambientes estressantes, sem os cuidados adequados, resultando em sofrimento físico e psicológico, resultando em uma percepção distorcida sobre seu tratamento e aumentando o risco de abuso e negligência — afirma.
Entendendo a diferença – Rosemary esclarece que antes de definir maus-tratos é importante também definir abuso e crueldade, pois estão relacionados. Na Resolução Federal de Medicina Veterinária n.º 1.236 de 2018 consta que:
Maus-tratos – “qualquer ato, direto ou indireto, comissivo (fazer algo proibido por lei) ou omissivo (deixar de fazer algo que deveria fazer em relação ao animal), que intencionalmente ou por negligência (agir com falta de cuidado ou de atenção em relação ao que deveria proporcionar ao animal), imperícia (fazer algo sem o conhecimento técnico) ou imprudência (ação precipitada e sem cuidado) provoque dor ou sofrimento desnecessários aos animais”.
Abuso – “qualquer ato intencional, comissivo ou omissivo, que implique no uso despropositado, indevido, excessivo, demasiado, incorreto de animais, causando prejuízos de ordem física e/ou psicológica, incluindo os atos caracterizados como abuso sexual”.
Crueldade se conceitua como “qualquer ato intencional que provoque dor ou sofrimento desnecessários nos animais, bem como intencionalmente impetrar maus-tratos continuamente aos animais”, por exemplo, deixar um animal sozinho para morrer de fome, sede ou exposição ao sol ou chuva. Os animais possuem direitos protegidos por legislações de proteção animal, com punições específicas para violações desses direitos.
Legislação – A professora detalha que no Brasil, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, estabelece a proteção da fauna e flora, proibindo práticas que coloquem em risco sua função ecológica ou provoquem extinção de espécies, além de vedar a crueldade animal.
“A Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal n.º 9.605/1998), no artigo 32, criminaliza atos de abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação de animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, incluindo a realização de experiências dolorosas ou cruéis, em animais vivos, mesmo para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos, as penalidades previstas incluem detenção de três meses a um ano, além de multa. Em caso de morte do animal, a pena é aumentada de um sexto a um terço. Para cães e gatos, as penas foram agravadas pela Lei Sansão (Lei Federal n.º 14.064/2020), sendo prevista a reclusão de dois a cinco anos, multa e proibição da guarda do animal. A legislação estadual, como a Lei Estadual n.º 7.194/2016 do Rio de Janeiro, também pode complementar a proteção aos animais utilizados em situações de fretamento, transporte de cargas, materiais ou pessoas, em áreas urbanas e rurais, responsabilizando indivíduos por práticas de maus-tratos em diversas situações e a Lei n.º 8.145/2018 (alterou a lei n.º 3.900/2002) que instituiu o código de proteção aos animais no Estado do RJ, visando defendê-los de abusos, maus-tratos e outras condutas cruéis como: oferecer animais a título de brindes; conduzir animal, sem lhe dar descanso, privar os animais de receber água, alimento adequado e abrigo das intempéries; privá-los de espaço que garanta a sua locomoção, higiene, comodidade, conforto sonoro, circulação de ar e temperatura adequada deixar prestar socorro a animal, ou buscar socorro, no caso de acidentes, quando responsável pela ocorrência.” A professora lembra que denunciar casos de maus-tratos, abuso e crueldade contra animais é crucial para protegê-los do sofrimento e garantir o cumprimento da lei. Além disso, contribui para prevenir a reincidência, conscientizar a sociedade sobre a importância do respeito aos animais e interromper o ciclo de violência, protegendo não apenas os animais, mas também potenciais vítimas humanas. “É um ato de justiça, moralidade e responsabilidade individual garantir que os animais sejam tratados com dignidade e respeito”, afirma.
Onde denunciar?
● Em Campos dos Goytacazes/RJ, 8º Batalhão de Polícia Militar PMERJ, pelos telefones: 190 ou (22) 2723-1177, ou delegacia.
● Rio de Janeiro, pelo aplicativo disque-denúncia RJ ou pelos telefones 181 ou 2253-1177, ou delegacia.
● Em todo o Brasil, pela polícia militar, telefone 190 ou na delegacia.
● Ministério Público Federal: http://www.mpf.mp.br/servicos/sac
● safernet (crimes de crueldade ou apologia aos maus-tratos na internet):www.safernet.org.br
● IBAMA (no caso de animais silvestres) – Linha Verde: 0800618080.
Como denunciar? A professora explica que por telefone, aplicativos ou site, a pessoa deve descrever com exatidão os fatos ocorridos, características do animal, o endereço, dia, horário e, se possível, características do(s) agressor(es) e o(s) nome(s). A denúncia pode ser anônima. “Nas delegacias e ministério público, você deve apresentar evidências: fotos, vídeos, laudo ou atestado veterinário (caso tenha), nome de testemunhas e endereço dos envolvidos. Compete à autoridade policial receber e registrar a denúncia de maus-tratos, sendo que a recusa em agir pode configurar o crime de prevaricação. Nesse caso, é possível apresentar uma queixa ao Ministério Público ou à Corregedoria da Polícia Civil”, destaca.