UENF desenvolve pele artificial

Produto já curou mais de 130 animais e começará a ser testado em humanos com risco de amputação 

Professor Sérgio Seabra (de vermelho), ao lado de integrantes do seu grupo de pesquisa

Cientistas da UENF estão conseguindo regenerar tecidos animais utilizando uma pele sintética que, até o final do mês, será testada também em humanos. Até o momento, mais de 130 animais — entre gatos, cachorros e cavalos — foram curados de lesões graves. Neste primeiro momento, o invento será testado em quatro pacientes internados na Santa Casa de Misericórdia de Campos com indicação de amputação. 

— Estamos muito entusiasmados com o convênio com a Santa Casa. É sempre muito difícil fazer pesquisas em humanos, mas o cirurgião, quando soube da pele, logo se interessou. Tenho certeza de que o sucesso obtido com os animais vai se repetir com os pacientes humanos também — afirma o coordenador da pesquisa, professor Sérgio Seabra, do Laboratório de Biologia Celular e Tecidual do Centro de Biociências e Biotecnologia da UENF (LBCT/CBB). 

A pesquisa em humanos será realizada pela doutoranda Karla Oliveira, orientanda de Sérgio Seabra, que é técnica de Análises Clínicas na Santa Casa. O projeto de doutorado prevê a testagem, em dois anos, em 16 pacientes com feridas graves devido a acidentes ou complicações de diabetes. Mas Seabra acredita que, quando surgirem os primeiros resultados, médicos de outros hospitais também deverão se interessar pelo uso da pele artificial. Ele garante que a UENF terá condições de ajudar a todos eles. 

No mundo todo, pesquisadores vêm tentando nos últimos anos desenvolver uma pele artificial. A UENF saiu na frente ao conseguir chegar primeiro à etapa de aplicação de um produto. Segundo Seabra, a fórmula desenvolvida na UENF é inédita. A pele é constituída de colágeno de boi e células do sangue. O produto já foi patenteado e aguarda a aprovação do Ministério da Agricultura (MAPA) para poder chegar ao mercado, para o uso em cães e gatos. 

A descoberta da pele artificial surgiu “por acaso”, há cerca de dois anos, quando o aluno de doutorado Felipe Figueiroa Moreira e a aluna de graduação Lara Manhães Resende, orientados por Seabra, trabalhavam na obtenção de um fármaco para a leishmaniose — doença que provoca feridas no corpo. Uma lesão por leishmania foi induzida em um camundongo e, para testá-la, os pesquisadores resolveram criar uma pele que servisse como veículo para o medicamento. 

— O fármaco funcionou e a lesão foi melhorando. Só que percebemos que o tecido parecia intacto, como se tivesse se regenerado. Não é comum isso. Normalmente o que se vê é a cicatrização, um tecido mais grosso. Mas estava perfeito e isso chamou a atenção — conta o professor. 

Diante do resultado, eles resolveram testar a pele sem o medicamento, em lesões genéricas, para ver qual seria o resultado.  

— Vimos que a pele do animal voltou a ser como era antes, inclusive com pelos, sem nenhuma fibrose. E foi aí que entramos em contato com o professor André Lacerda, do Hospital Veterinário, para ver se podíamos testar em animais com problemas de cicatrização. Foi um sucesso — conta Seabra. 

Dentre os animais que receberam a pele, havia um gato que estava com indicação de amputação, bem como um cavalo que, caso não se curasse, poderia ser sacrificado. 

— O gato estava com ossos expostos na pata, sofrendo muito. Em 20 dias estava com a pata recuperada, inclusive com pelo e unhas. O cavalo tinha uma lesão gigante. A ferida fechou em 14 dias — conta o professor, cuja pesquisa obteve financiamento da Faperj. 

As pesquisas sobre a leishmania continuam, mas os resultados com a pele artificial abriram novas frentes de trabalho. Foi criado inclusive um núcleo de medicina regenerativa na UENF, unindo três Centros (CBB, CCT e CCTA). 

Agora, o grupo investiga a ação de um peptídeo que poderia ser o responsável pela ativação das células-tronco epiteliais, o que provocaria a regeneração do tecido. Se isso for comprovado, não será mais necessário colher o sangue do animal, mas apenas utilizar este peptídeo — que já foi isolado — na composição da pele. 

— Nós temos célula-tronco em todos os tecidos do nosso corpo. O que acontece é que, quando a gente tem uma lesão muito profunda, as células-tronco não funcionam. Com a nossa pele, por algum motivo a gente consegue estimular a célula tronco e ela regenera o tecido — explica. 

Se depender do cientista, a pele artificial desenvolvida na UENF logo chegará ao mercado. Uma empresa já se interessou e, em breve, deverá realizar cursos para credenciar médicos veterinários a utilizarem o produto. Em troca, a empresa investirá na continuidade das pesquisas.  

Seabra acredita que o produto pode ser melhorado, agregando, por exemplo, antibióticos ou fungicidas. Com relação ao custo, ele acredita que será bastante acessível, pois a base da pele é colágeno de boi, que é muito barato. 

— A gente acredita que pode melhorar o produto de tal forma que qualquer pessoa possa comprá-lo na farmácia e usá-lo em casa. Ao invés de utilizar uma impressora 3D, por exemplo, podemos usar uma bisnaga. Então seria como se estivesse imprimindo a pele diretamente no animal — diz. 

Osso artificial 

A partir dos conhecimentos produzidos neste projeto, surgiu outra vertente: a produção de tecido ósseo, em parceria com o  Laboratório de Ciências Químicas do Centro de Ciência e Tecnologia da UENF (LCQUI/CCT). A matriz de colágeno é a mesma, porém é preenchida com hidróxido de apatita, composto produzido no LCQUI. 

— A ideia é começar a realizar implantes em animais que tenham fratura muito drástica. Não há rejeição, pois trata-se de um material que já existe no corpo humano. Agora vamos começar a fazer ensaios de resistência e, se tudo der certo, começaremos os testes em animais — diz o professor, que vislumbra, no futuro, o uso do material no tratamento de doenças degenerativas e câncer de ossos. 

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