‘Antes de melhorar, ainda vai piorar’ Entrevista com Juliana Blasi

Para antropóloga da UENF, festas de fim de ano serão o maior desafio para os brasileiros em relação à pandemia

Apesar do aumento do número de casos de COVID-19 e da ameaça de colapso da rede pública de saúde, uma considerável parcela da população permanece alheia à situação, mantendo comportamentos de alto risco. Nesta entrevista, a antropóloga Juliana Blasi, pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da UENF, faz uma análise dessa questão, afirmando que há uma relação direta entre o tempo da pandemia, bem como o advento da chamada ‘segunda onda’, e a postura do governo federal. Para ela, a vacina é “uma luz no fim do túnel”, mas é preciso ter consciência de que, pelo menos em relação ao Brasil, ela ainda vai demorar meses até estar acessível a todos. “Antes de melhorar, ainda vai piorar”, afirma. Às vésperas das festas de final de ano, ela pede cautela à população, lembrando que a passagem deste período é o maior desafio da população brasileira em relação à pandemia. Confira a entrevista:

Juliana Blasi, antropóloga e pós-doutoranda UENF

ASCOM / UENF- O mundo parece dividido entre aqueles que se preocupam com a COVID e buscam evitar a sua propagação e aqueles que simplesmente preferem ignorar a questão, mantendo comportamentos de risco. Como você analisa essa situação?

Juliana – Realmente, existe essa polarização entre dois grupos com percepções diferentes em relação à pandemia.  É algo que podemos observar não só no Brasil como no mundo todo. E essa polarização  se dá em torno de diversos símbolos, como o uso ou não uso da máscara, a questão da vacina etc. A gente acompanha mundo afora alguns protestos contra o isolamento social, a vacinação obrigatória, o uso da máscara, então não é um fenômeno que aconteceu isoladamente no Brasil, mas que a gente observa em alguns lugares do mundo também.  No caso específico do Brasil, para além dessa polarização, dentro do próprio grupo de pessoas que se preocupam com a pandemia, a gente pode pensar ainda em alguns subgrupos. Há aqueles que se preocupam com a pandemia, mas precisam sair diariamente para trabalhar, ou seja, eles não têm opção de trabalhar de forma remota. Muitos  também não têm condições de fazer isolamento, pois moram em habitações muito pequenas e adensadas, em favelas, onde as ruas acabam se tornando uma extensão das casas. Há aqueles que permaneceram em casa até o presente momento por total respeito à pandemia, mas que, depois de tantos meses de confinamento, já estão desenvolvendo algumas síndromes, como fobia em relação à rua e até mesmo problemas físicos, alterações de taxas relacionadas a este isolamento, por causa da falta de atividade física, da falta de sol, etc. E há ainda o grupo de pessoa que ficaram isoladas durante grande parte da pandemia, mas que, no momento, também já não estão aguentando mais o isolamento. E não estão aguentando não é apenas por desrespeito ou por não se preocuparem, mas simplesmente porque a situação, de fato, é muito difícil para nós, que somos seres sociais. Precisamos dos nossos ritos, de nossas atividades sociais, dos nossos almoços de família, de comemorar aniversários. Isso tudo faz parte da vida social, e algumas pessoas não estão aguentando mais. Entre os que têm que sair pra trabalhar , existe uma outra situação: como eles já usam cotidianamente o transporte público, podem pensar: por que não usar o transporte público no fim de semana também para ir à praia, se já uso todo dia?

ASCOM / UENF – A segunda onda da Covid tem apontado para um cenário ainda pior que o da primeira onda. Em alguns lugares, já se fala no completo colapso da rede pública de saúde. Na sua opinião, isso poderia ter sido, de alguma forma, evitado? Até que ponto a postura do governo federal desde o início da pandemia contribuiu para o cenário que aí está?

Juliana – Eu acho que é muito clara a relação direta entre a postura do governo federal e essa segunda onda, assim como o tempo que a pandemia perdurou no Brasil. Porque, desde o início, a postura do governo foi muito contraditória. Foi uma postura negacionista, obscurantista em relação a tudo que estamos vivendo, em relação à ciência, uma negação de tudo que está, de fato, acontecendo. Um deboche frequente, uma ironia em relação a usar máscara,  ao isolamento social, etc. Um desprezo por tantas mortes e por tudo que estávamos passando. Além disso, temos uma disseminação muito forte de informações falsas e de defesa de medicamentos sem comprovação científica. Do ponto de vista do presidente, e nas mais diferentes escalas, isso vem sendo divulgado e difundido. E isso, com certeza, em nada ajuda, muito pelo contrário, muito atrapalha. Isso fez com que a população não fizesse o isolamento da forma adequada. Uma parte da população ficou isolada, enquanto outra parte da população — para além daqueles que precisam sair pra trabalhar — está há muito tempo circulando pelas cidades e se  aglomerando em praias, em feiras, em praças, então não houve um isolamento de uma forma rígida como devia ser feito desde o início. Isso fez com que a pandemia se prolongasse durante muito tempo, chegando à exaustão, que é o que estamos vivendo no momento. Do ponto de vista da observação das ações políticas, nota-se algo como uma espécie de esquizofrenia do Estado, no sentido de que são ações muito incoerentes. O governo federal toma uma medida numa direção; os governos estaduais, em outra, e isso é perpassado por uma disputa política, por uma disputa ideológica, e as pessoas ficam em meio a essas disputas, né?

ASCOM / UENF – Sabe-se que as vacinas não serão suficientes, neste primeiro momento, para imunizar toda a população. Podemos esperar um 2021 similar a 2020 ou é possível antever um cenário mais otimista para o ano que se aproxima?

Juliana – Eu acho que o início da vacinação na Inglaterra pode ser visto como uma luz no fim do túnel, num cenário que estava muito desolador.  Então eu acho que há motivos pra esperanças e para otimismo. É uma esperança, é um otimismo, mas com uma consciência de que isso vai demorar. Será a a longo prazo,, até que isso vire uma realidade concreta nas nossas vidas, pensando no caso do Brasil. É um motivo de alegria saber que uma vacina que, em geral, demora muito mais tempo para ser inventada, de fato, conseguiu ser produzida nesse curto período, para o tempo de produção, de regularização, e de registro de uma vacina. Então, é bom saber que já há vacina registrada e já há uma vacina sendo aplicada na população lá fora, na Europa. Mas, é necessário ter consciência de que isso não faz parte da nossa realidade ainda e que enfrentaremos meses pela frente até que isso se torne uma realidade para nós no Brasil. Acho que, antes de melhorar este cenário, ainda haverá uma piora. Vamos ter agora que ter muita cautela, principalmente nessa época de fim de ano, de Natal, de Ano Novo. Este vai ser, de fato, o nosso maior desafio, justamente por aquilo que eu já citei anteriormente, ou seja, o fato de sermos seres sociais e de existir uma certa exaustão das pessoas em relação ao isolamento social, depois de tantos meses de quarentena.

ASCOM / UENF – Que lições podemos levar deste momento tão dramático da história mundial?

Juliana – Eu não consigo ver nenhuma lição nisso tudo. Acho que temos dificuldade em aceitar que coisas ruins e tragédias acontecem e fazem parte da vida. Acho que a pandemia não necessariamente trará alguma lição, boa ou ruim. Prefiro aguardar para ver se aprendemos alguma coisa. Mas parece que não. Pouco mudou, haja vista a forma como a vacina está sendo disputada e concentrada nos países ricos. Sinceramente, aprendemos muito pouco sobre solidariedade, como se apontava no início disso tudo.

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