Sociólogo da Uerj analisa bolsonarismo ao proferir aula magna na UENF

Sociólogo Adalberto Moreira Cardoso

Um dos maiores sociólogos brasileiros em atividade, o professor Adalberto Moreira Cardoso, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), ministrou nesta segunda-feira, 13/03/23, no auditório multimídia do Centro de Ciências do Homem (CCH), a aula magna do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política (PPGSP) da UENF. A aula teve como tema “Ascensão (e queda?) do bolsonarismo no Brasil”.

Em sua explanação, Adalberto fez um resumo de seu livro, “À beira do abismo – Uma Sociologia Política do Bolsonarismo”, lançado em 2020. Segundo afirmou, o ex-presidente é um “filho da Lava Jato”. Ele criticou veementemente a Operação da Polícia Federal, um verdadeiro “desastre para o sistema político brasileiro”.

— A Lava Jato destruiu a esquerda, o centro e a direita. Sobrou a extrema direita, sobrou o bolsonarismo. Metade dos 500 deputados do Congresso Nacional, 1/3 dos senadores, foram processados pela Lava Jato. Cinco ex-governadores do Rio foram presos. Foi um processo de abalo do sistema partidário. Os partidos tiveram de mudar de nome. Numa democracia, os partidos são os principais mediadores da vontade política. Não foi só o PT que foi abalado, o PSDB também — disse.

Segundo o sociólogo, o que mudou depois foram os rumores da política, e não a lei. Adalberto observou que a mesma metodologia de influenciar e mudar eleições estava sendo empregada desde 2014 em diversas partes do mundo.

— Tivemos a eleição de Trump, a saída dos britânicos da União Européia, a Brexit, a mudança de voto com propaganda direcionada a partir do perfil das pessoas no Facebook. Em novembro de 2017, Bolsonaro tinha 22% nas pesquisas de intenção de voto. O teórico social belga, radicado no Brasil, Frédéric Vandenberghe, me alertou em janeiro de 2018. Eles atacaram os medos. Uma semana antes das eleições de 2018, as pesquisas para o senado em Minas Gerais e em São Paulo davam Dilma e Suplicy eleitos. Houve um bombardeio com milhões de mensagens, matérias e construções anti-petistas e Haddad ainda teve 46% dos votos — afirmou.

A aula magna foi realizada no auditório multimídia do Centro de Ciências do Homem (CCH)

Adalberto analisou a trajetória de Jair Bolsonaro até chegar à presidência da República. Voltando ao ano de 2014, lembrou da polarização entre Aécio e Dilma, já um prenúncio do que estava por vir.

— Nunca hesitei em utilizar o termo “bolsonarismo”, um fenômeno enraizado na sociedade brasileira, que tinha passado despercebido. Foi um raio num céu azul. Tinha de ter acendido a luz vermelha. Em 2014 tivemos uma crise com a polarização Aécio e Dilma. Imaginava-se que as instituições tinham segurado a barra, que “nosso bipartidarismo estava consolidado”. Era um filtro, que permitia ver certas coisas e não ver certas coisas, uma recusa em olhar no abismo e ver o que tinha lá — disse.

O sociólogo observou que, nesta época, Bolsonaro era um deputado do chamado “baixo clero”, que não tinha aprovado nenhum projeto relevante. Mesmo assim, deu uma palestra na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) e disse que seria o presidente do Brasil.

— Em 2015, a revista virtual de jornalismo investigativo, Agência Pública, publicou um dossiê sobre as direitas no Brasil. Eu percebi em um dos estudos que, além das ligações com os filhos e com Olavo de Carvalho, Bolsonaro se linkava com o Movimento Brasil Livre (MBL), com a Rachel Sheherazade, o que era invisível para a Sociologia Política e para a mídia. Teve ainda o golpe contra Dilma, abordado no livro do Wanderley Guilherme dos Santos — destacou o professor.

Segundo o sociólogo, “faltou sociologia à ciência política”. Ou seja, “faltou reconhecer o Brasil profundo, que sempre esteve aí, de cara feia, misógino, autoritário, racista. Um Cristianismo de fachada, que esconde violências, como os 60 mil homicídios por ano”. Ele observou que 80% dos assassinatos cometidos pela polícia são de pessoas pretas e pardas, conforme citado no livro “Autoritarismo e violência no Brasil”, de Lilian Schwarcz.

— Existe um processo de estranhamento da violência, uma dificuldade de construção de interesses comuns, onde consideramos que o outro não é confiável. Agora nos perguntamos: será a queda do bolsonarismo? Morreu Vargas e o varguismo continuou até o golpe de 1964 — afirmou.

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), o sociólogo Adalberto Moreira Cardoso possui 22 livros e mais de 100 trabalhos publicados na área de Sociologia Urbana.

Os professores Wânia Mesquita, Rosana Rodrigues, Maura da Cunha e Rodrigo Caetano participaram da mesa de abertura da aula magna no CCH

A mesa de abertura teve a presença da vice-reitora da UENF, Rosana Rodrigues; da pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação, Maura da Cunha; do diretor do CCH, Rodrigo Caetano; e da coordenadora do PPGSP, Wânia Mesquita.

— Esta tão esperada aula magna tem um tema bastante contemporâneo e de muito valor. O CCH é uma força muito potente com as pesquisas relacionadas a políticas públicas. Aqui é um celeiro de pensamentos e resultados, um espaço efervescente. Passamos quatro anos sendo massacrados por um governo que considerava a universidade balbúrdia. Estamos trazendo para a UENF os grandes debates nacionais — afirmou a vice-reitora.

A pró-reitora de pesquisa e pós-graduação, Maura da Cunha, destacou que o tema da aula magna chama a atenção.

— Parabenizo a Wania pela aula magna para os discentes, que estão ingressando em um programa que teve o aumento de sua nota. Isto teve um impacto para a instituição, com o aumento de bolsas Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), mérito dos professores e dos estudantes — disse a pró-reitora.

O diretor do Centro de Ciências do Homem (CCH), Rodrigo Caetano, também ressaltou a importância do evento:

– É muito bom ter esta sala de multimídia do CCH cheia. Engrandece muito o CCH o debate que precisamos ter na universidade pública. Estamos aqui para aprender. Que este debate possa reverberar nas revistas científicas, teses e dissertações deste programa, que está mais consolidado, em ascensão pelo conceito A.

A coordenadora do PPGSP, Wania Mesquita, enfatizou que a atividade desta segunda-feira não é só uma aula inaugural.

— Esta é uma manhã muito significativa. Nossa jornada é intensa e extensa. A aula estará disponível no canal do PPGSP no You Tube. Após dois anos em que não foi possível, nestes 15 anos de história do programa, termos uma aula magna presencial, nos reunimos neste momento de celebrar e agradecer ao IESP. A universidade é espaço de produção de conhecimento e da democracia. A UENF se coloca nesta frente ampla pela Democracia — declarou.

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