Estado ganhou sobrevida com RRF, mas cenário é crítico, diz economista da UENF

Alcimar das Chagas Ribeiro

A adesão do Governo do Estado ao novo Regime de Recuperação Fiscal (RRF) proporcionou uma sobrevida às contas públicas, mas o cenário econômico ainda está longe de uma posição confortável. E a proximidade das eleições de 2022, ao invés de ajudar, pode vir a atrapalhar a retomada do crescimento econômico em todo o Estado. A opinião é do economista Alcimar das Chagas Ribeiro, professor do Laboratório de Engenharia de Produção da UENF (LEPROD), que, nesta entrevista à ASCOM/UENF, faz um balanço sobre o cenário econômico fluminense. 

Segundo Alcimar, anos eleitorais não são bons para a economia porque “as lideranças políticas são levadas a dedicar parte importante do seu tempo às estratégias de curto e médio prazo, já que o fundamental é fortalecer as redes de relacionamento para a perpetuação no poder”.  

Ele critica empreendimentos como o Porto do Açu, por sua característica exógena (de fora para dentro) como forma de crescimento econômico. “Desde a década de 1960, insistimos nesse formato, que não tem conseguido êxito. O movimento deve ser inverso, ou seja, precisamos agir endogenamente (de dentro para fora), integrando-se as outras forças”, diz. 

Para Alcimar, a Covid-19 pode trazer lições para o enfrentamento de novas pandemias no futuro. “Precisamos investir mais contundentemente em tecnologias voltadas para a saúde, de maneira a diminuir ou mesmo eliminar a dependência que ficou bastante evidente nesse período. As nossas universidades e os nossos pesquisadores precisam ser levados a sério, já que, sem ciência e conhecimento, nos afastamos cada vez mais do caminho do desenvolvimento econômico e sustentável”. 

Confira a entrevista: 

ASCOM – Qual a sua avaliação do cenário econômico atual no Estado do Rio de Janeiro? 

ALCIMAR – Podemos considerar dois aspectos importantes. Primeiro, na perspectiva fiscal, o estado ganhou uma sobrevida e pode respirar melhor com a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal junto ao Governo Federal, cujo objetivo é o reequilíbrio das contas públicas. Complementarmente, as receitas correntes foram potencializadas com aumento do grupo de receitas patrimoniais (rendas de petróleo e outras receitas patrimoniais) que cresceram 65% no bimestre julho/agosto em relação ao primeiro semestre do ano.    

O segundo aspecto diz respeito à atividade econômica real, que não responde positivamente. Com a redução do interesse da Petrobras pela Bacia de Campos e a retração forte de investimentos, a produção industrial geral não apresenta musculatura suficiente para evoluir. Por outro lado, faltam políticas de planejamento e de integração econômica no estado. Com o interesse das lideranças pelos processos eleitorais de dois em dois anos, a prioridade da reestruturação econômica perde espaço, o que vai comprometendo gradativamente o futuro socioeconômico do estado, favorecendo o avanço do desemprego, pobreza e violência. 

ASCOM – É possível vislumbrar uma retomada do crescimento econômico no Estado do Rio em 2022?  As eleições podem ter algum papel nesta possível retomada? 

ALCIMAR – Vejo que o panorama eleitoral atrapalha, pois as lideranças políticas são levadas a dedicar parte importante do seu tempo nas estratégias de curto e médio prazo, já que o fundamental é fortalecer as redes de relacionamento para a perpetuação no poder. Dessa forma, as eleições de 2022 vão atrasar qualquer possibilidade de formulação de políticas públicas voltadas para solucionar o problema central do estado, que é o crescimento econômico, ou seja, aumento da oferta de bens e serviços com geração de emprego, renda e tributos. 

ASCOM – Qual atividade econômica está proporcionando o crescimento da economia do Estado? 

ALCIMAR – O estado do Rio de janeiro tem uma forte dependência dos investimentos na indústria de petróleo, fato que possibilitou elevadas taxas de crescimento da produção extrativa em períodos anteriores. Com o maior interesse da Petrobras e outros operadores pelo pré-sal, ocorreu forte desaceleração nesse segmento, deprimindo a economia do estado.  Atualmente o destaque está na indústria de transformação, com taxas de crescimento positivas na fabricação de veículos automotivos e atividades industriais correlatas, tais como: fabricação de produtos de metal, fabricação de produtos de metais não metálicos, borracha e metalurgia. 

ASCOM – A pandemia agravou a queda de produtividade na Bacia de Campos, trazendo consequências nefastas para os municípios da região. Há chances de retomada dessa produção? 

ALCIMAR – A queda da produtividade na Bacia de Campos vem ocorrendo gradativamente desde 2010, acelerando mais fortemente a partir de 2014 com a crise internacional que desvalorizou o preço do barril de petróleo. Hoje existe forte expectativa em torno da revitalização da Bacia, já em estágio maduro, dado o baixo fator médio de recuperação em torno de 14%, segundo a Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás-ABPIP.  

Considerando que grandes investimentos já foram realizados ao logo do tempo nas fases de exploração e produção e com a possibilidade de ampliar esse fator de recuperação até 24%, o Programa de Revitalização e incentivo à Produção de Campos Marítimos (PROMAR), do Ministério de Minas e Energia, traz consigo preocupações fundamentais, como a necessidade de potencializar emprego, renda do trabalho, rendas petrolíferas e maior tributação via aumento do consumo agregado, com a possibilidade de reativação da Bacia de Campos. O esforço está ocorrendo, porém o ambiente econômico tem dificultado novos investimentos que exigem um marco regulatório mais adequado, maior flexibilização no setor, menor estrutura de custos e ampliação de prazos. 

ASCOM – De que forma o Porto do Açu pode influenciar na retomada da economia local? 

ALCIMAR – O empreendimento do Porto do Açu tem característica exógena (de fora pra dentro) e representa um movimento estratégico entendido por muitos como alternativa de desenvolvimento local. Desde a década de 1960, insistimos nesse formato, que não tem conseguido êxito. Eu diria que o movimento deve ser inverso, ou seja, precisamos agir endogenamente (de dentro para fora), integrando-se às outras forças. Nesse caso o modelo de desenvolvimento deve alcançar o formato mesoeconômico, no qual os interessados (governos, universidades, organizações não governamentais e agentes produtivos), possam se integrar em torno de um grande programa de planejamento e governança, voltados para a identificação e combinação dos recursos internos (físicos e intangíveis), para a ampliação da oferta agregada, geração de emprego, renda e tributos localmente. 

ASCOM – Com o desemprego, houve o crescimento de novos pequenos empreendimentos neste período, apesar do fechamento de outros negócios mais antigos. Como você analisa essa questão? 

ALCIMAR – A pandemia, em função da necessidade de distanciamento, contribuiu para o fechamento de muitos negócios e, consecutivamente, eliminou muitos empregos. Com a reabertura parcial do comércio e melhoria nas condições gerais por conta do processo de vacinação, uma nova realidade começou a ser desenhada, com o retorno de negócios antigos e criação de novos negócios, até porque a demanda foi aquecida com transferências do governo. A questão é que, paralelamente às incertezas no campo político e econômico, voltaram a pressionar negativamente os principais indicadores econômicos. Hoje o mundo sente os reflexos da pandemia, e no Brasil não é diferente, já que o país depende dos mercados internacionais para escoar commodities, adquirir insumos e produtos de base tecnológica, assim como capital para investimento interno. Resultado: a chama acesa está com muita dificuldade para se consolidar, especialmente enquanto perdurar o conflito político interno e a crise econômica externa. 

ASCOM – Em Campos, é visível o crescimento da mendicância e subempregos, bem como a explosão de prestadores de serviço em diversas áreas. O que os governos podem fazer em relação a este problema? 

ALCIMAR – Vivemos um quadro político perverso, que atrasa a nossa democracia. Mudam os indivíduos, mas as práticas políticas permanecem. Enquanto uma discussão inócua evolui sobre direita x esquerda, o populismo avança de braçadas perpetuando no poder políticos de carreira e sem as competências necessárias. Estes impõem o aprofundando da pobreza e da miséria, que são os principais insumos para a acumulação de riqueza e poder, daí a importância do sistema. A mudança passa por uma transformação de base, na qual a população comece a entender o seu verdadeiro papel e saia da condição de subordinado para a condição de subordinador da função política. A sociedade organizada precisa se empoderar do processo e definir os padrões de gestão que os políticos, na condição de subordinados, terão a obrigação de cumprir. 

ASCOM – Poderia fazer uma análise sobre o declínio da atividade comercial convencional e o aumento do comércio eletrônico? 

ALCIMAR – Vejo como um processo natural em função do surgimento de novas tecnologias, assim como ocorreu com a evolução do comércio a partir do escambo (troca direta bens por bens). Novas tecnologias, novos padrões de vida e exigências do consumidor, segurança bancária e institucional, são elementos fundamentais nesse processo. A pandemia deu um impulso importante nesse processo, já que, com o isolamento e a necessidade de fechamento de muitas empresas, a alternativa disponível foi o comércio eletrônico que, por sua vez, investiu fortemente para atender o grande aumento da demanda. Assim, a pandemia também se constituiu em um elemento importante para o crescimento e modernização desse tipo de comércio. 

ASCOM – Nos últimos governos, a renúncia fiscal foi muito utilizada como forma de fomentar o crescimento industrial no Estado. Até que ponto essa renúncia pode prejudicar o desenvolvimento nos próximos anos? 

ALCIMAR – Renúncia fiscal pode ser um instrumento importante para atrair a geração de negócios, empregos e tributos. Entretanto no estado do Rio de janeiro esse processo mais atrapalhou do que ajudou, já que os governantes buscaram na verdade atender interesses muito particulares. O estado abriu mão de algumas dezenas de bilhões sem critérios bem estabelecidos. Isto beneficiou negócios sem relevância em termos de espraiamento de benefícios para a sociedade, levando grande dificuldade fiscal para as contas do estado. Conforme podemos lembrar muito bem, os últimos cinco governadores do Rio de Janeiro passaram pela cadeia, permanecendo lá o grande estrategista do mal, Sergio Cabral. Essas gestões deterioraram as contas públicas do Rio de Janeiro que perdeu totalmente a capacidade de investimento. 

ASCOM – Cientistas têm advertido que novas pandemias poderão surgir nos próximos anos em virtude do desequilíbrio ecológico. Há formas de se blindar a economia em cenários como este ou os problemas econômicos são inevitáveis em contextos de pandemia? 

ALCIMAR – Vejo que essa pandemia pode ajudar e muito os gestores públicos do país, caso ocorram outras pandemias no futuro. Observamos que a ciência deu uma grande contribuição e, rapidamente, no sentido de evitar uma situação bastante pior. As vacinas foram desenvolvidas em um espaço de tempo muito curto e têm salvado muitas vidas. No caso do Brasil, que já tem uma longa experiência no campo da saúde, com o sistema SUS, o Butantan e a Fiocruz, precisamos investir mais contundentemente em tecnologias voltadas para a saúde, de maneira a diminuir ou mesmo eliminar a dependência que ficou bastante evidente nesse período. As nossas universidades e os nossos pesquisadores precisam ser levados a sério, já que, sem ciência e conhecimento, nos afastamos cada vez mais do caminho do desenvolvimento econômico e sustentável. 

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