Em defesa de monopólio, banqueiros enfrentam milícias e tráfico
Com uso de violência e assassinatos encomendados, o jogo do bicho exerce monopólio da exploração de jogos ilícitos em territórios sob seu controle no Rio de Janeiro. A tese está em artigo assinado pelos sociólogos Paulo Roberto de Andrade Castro e Michel Misse (UFRJ) no volume 24 da revista Terceiro Milênio, mantida pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UENF e pela Fundação Darcy Ribeiro. O trabalho abre a seção de artigos do dossiê temático “Das formas de violência no Brasil contemporâneo”, organizado pelas sociólogas Luciane Soares da Silva (UENF) e Vera Telles (USP).
Recorrendo a fontes jornalísticas e a processos judiciais, o artigo mostra como na atualidade, além da lendária loteria popular, as organizações do jogo do bicho exploram máquinas caça-níqueis e de jogos e apostas informatizados, bingos e cassinos clandestinos. Segundo os autores, o monopólio sobre a exploração de jogos ilícitos é completo, incluindo até mesmo uma roda de carteado em via pública e a exploração de apostas informatizadas de jogos de futebol
— Nenhuma forma de jogo que produza rentabilidade razoável pode ser explorada ou bancada sem a autorização expressa da organização de jogo do bicho do território em questão — afirma o texto, mencionando haver indicações de que esses grupos já se inserem no mercado das bets.
Para ilustrar a força dos banqueiros do bicho, os pesquisadores destacam diversos casos de conflitos resolvidos com violência. Foi o que teria ocorrido no assassinato, em 2017, de dois policiais com carreiras premiadas mas supostamente envolvidos com milícias poderosas e em disputa com o jogo do bicho: Geraldo Pereira e Marcos Falcon. Citando matéria da jornalista Vera Araújo, de O Globo, o artigo reporta que Geraldo Pereira teria sido executado a mando da organização do jogo do bicho pelo Escritório do Crime de Adriano da Nóbrega — que ganhou visibilidade após o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. Quanto a Marcos Falcon, então presidente da escola de samba Portela, foi executado quatro meses depois. Segundo um depoimento citado por matérias jornalísticas de Vera Araújo e Rafael Soares, as duas execuções poderiam ter tido o mesmo mandante e teriam sido realizadas pelos mesmos pistoleiros.
O artigo também resgata registros do assassinato de um homem que planejava descumprir pela última vez a ordem dos bicheiros de parar com a exploração de bolões de futebol por meio informatizado. “No dia da morte, Oséas decidiu fazer uma ‘saideira’ como um último bolão”, registra um documento da Operação Calígula, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, transcrito pelos pesquisadores.
Nas conclusões, o trabalho cita o domínio sobre o mercado de videopôquer e a inserção no mercado dos bingos e sugere que o monopólio esteja na base das organizações do jogo do bicho.
Artigo completo: leia aqui.