Pesquisas da UENF avançam na compreensão do câncer

Professor Arnoldo (ao centro, de camisa listrada), ao lado de sua equipe de pesquisa na UENF

É na bioquímica das plantas que pode estar a chave para uma compreensão mais aprofundada de uma das doenças que mais desafiam a humanidade: o câncer. Uma particularidade dos vegetais é que, embora suas células também possam sofrer mutações e a formação de tumores, dificilmente ocorre o que na patologia humana se chama metástase — fenômeno em que as células cancerosas migram e se implantam em outras partes do corpo, formando novos tumores, principal causa das mortes pela doença.

Anos de estudos das células vegetais levaram o cientista Arnoldo Rocha Façanha, professor do Laboratório de Biologia Celular e Tecidual do Centro de Biociências e Biotecnologia da UENF (LBCT/CBB), há cerca de dez anos, a ampliar sua linha de pesquisa, passando a utilizar os conhecimentos da célula vegetal para entender mecanismos bioquímicos e moleculares que acontecem em animais, incluindo humanos, como é o caso da reprogramação metabólica da hiperproliferação celular.

Com uma abordagem pioneira em âmbito nacional e ainda bastante rara no cenário internacional de pesquisas sobre o câncer, Arnoldo coordena o projeto “Convergências na reprogramação metabólica e na ação de fitoquímicos sobre a proliferação celular em plantas, tumores cancerígenos e infecções virais: novos insights para potencializar o reposicionamento de medicamentos”, financiado pela Faperj, CNPq e Capes. O projeto busca entender os mecanismos da reprogramação metabólica hiperproliferativa, que estão por trás tanto da geração de tumores quanto das infecções virais, bem como os mecanismos de ação de medicamentos fitoquímicos (derivados de plantas), visando seus reposicionamentos e ampliação de suas ações quimioterápicas em múltiplas patologias que desencadeiam hiperproliferação celular.

Os estudos se concentram, entre outras coisas, em enzimas muito antigas e bem conservadas evolutivamente, presentes em vários organismos, como plantas, fungos e animais: as  H+-ATPases (bombas de prótons). Nos vegetais, existem H+-ATPases naturalmente presentes tanto na membrana plasmática (a membrana que recobre as células) quanto nas endomembranas (aquelas que delimitam as organelas do interior celular). Já em animais, incluindo em nós, humanos, estas enzimas, na maioria das células sadias, predominam nas  endomembranas. Mas, quando ocorre um câncer, a membrana plasmática passa a expressar também bombas de prótons. De certo modo, é como se a membrana celular animal/humana passasse a funcionar como a de células vegetais. Tal fenômeno muda a energização da membrana, contribuindo para tornar a célula hiperploliferativa.

A primeira descrição de H+-ATPases associadas a membranas plasmáticas de células tumorais e metastáticas foi feita em meados dos anos 90, nos Estados Unidos, pelo cientista Raul Martínez-Zaguilán da Texas Tech University. Mas foi só na última década que a descoberta foi amplamente comprovada pela comunidade científica, desencadeando uma corrida pela identificação de isoformas de subunidades destas enzimas, com características oncogênicas, que pudessem servir como marcadores moleculares para o desenvolvimento de métodos de detecção mais precoces e/ou para prognósticos mais precisos em diferentes tipos de cânceres. Além disso, também houve a tentativa de modelar drogas que reconhecessem isoformas específicas das bombas de prótons tumorais.

Agora, as pesquisas da UENF estão mostrando que o fenômeno é bem mais complexo. Segundo Arnoldo, as H+-ATPases do tipo V (V-ATPases) que se expressam nas membranas plasmáticas de células tumorais possuem uma composição molecular bastante diversa, não só em comparação com células normais, mas também entre diferentes tipos de tumores. E aquelas que ficam dentro das células aparentemente também expressam composições de isoformas específicas de suas subunidades.

Esta foi uma das principais descobertas da tese de doutorado de Juliana do Couto Santos, orientada por Arnoldo no Programa de Pós-graduação em Biociências e Biotecnologia da UENF, cujos dados foram publicados em 2020 na conceituada revista EBioMedicine. O grupo de pesquisa demonstrou que a V-ATPase, que é uma enzima oligomérica (formada por várias proteínas), apresenta padrões de expressão de isoformas de suas subunidades (14 proteínas, em humanos) que formam assinaturas moleculares comuns para múltiplos tipos de câncer, porém, com significativas especificidades, mesmo entre tumores de diferentes pacientes com um mesmo tipo de câncer.

Arnoldo conversou com a ASCOM. Veja a entrevista:

ASCOM/UENF – Plantas possuem potencial para inspirar pesquisas sobre o câncer humano?

ARNOLDO – É comum se pensar em plantas como seres simples, bem menos complexos que nós. Mas do ponto de vista celular e molecular, o que se observa é justamente o contrário. Por serem seres sésseis (incapazes de locomoção), para poder sobreviver às intempéries, conseguir explorar o solo e a atmosfera circundantes e obter tudo o que precisam, ao longo da evolução, elas desenvolveram metabolismo e estrutura celular mais complexos que as presentes em nossas células. Elas possuem organelas que nenhum animal tem, como por exemplo, cloroplastos e um grande vacúolo central. A parede celulósica que circunda as células vegetais é muito mais complexa do que a matriz extracelular de nossas células, e esta é uma das razões pelas quais tumores de plantas não desenvolvem metástases. Todavia, a proliferação celular tumoral também ocorre em plantas, em geral induzida por vírus, bactérias ou outros parasitas, mas a célula vegetal parasitada, reprogramada para hiperproliferação, não pode migrar para outros tecidos da planta. Isto porque não consegue sair de seu locus selado pela parede celulósica. Então não ocorre a metástase, que é a principal causa dos óbitos por câncer. Entretanto, alguns mecanismos moleculares comuns de controle proliferativo são conservados tanto em plantas quanto em nós.

ASCOM/UENF – Por que você resolveu expandir seus estudos das plantas para os seres humanos?

ARNOLDO – Trilhei boa parte de minha carreira principalmente dedicado à fisiologia e à biologia celular e tecidual de plantas, mas, ao atingir um certo nível de domínio sobre seus sistemas transdutores de energia e transporte iônico, percebi que estes são peças-chave de mecanismos de controle da proliferação e morfogênese celular que transcendem os limites do reino vegetal. Vários processos do desenvolvimento, adaptativos e fisiopatológicos são altamente dependentes de “bombas de prótons”, assim chamadas por serem enzimas que bombeiam íons H+ (prótons), gerando gradientes eletroquímicos que energizam as membranas celulares, controlando sistemas secundários de transporte e ativando cascatas de sinalização. Percebemos que podíamos utilizar esses conhecimentos para ousar responder a desafios em outros reinos, iniciando com fungos, passando depois a animais, como artrópodes e camundongos, e, mais recentemente, chegando às patologias humanas, incluindo o câncer.

Então, a ideia é essa: pegar o conhecimento acumulado sobre estes sistemas, que são extremamente conservados ao longo da evolução, e tentar contribuir com novas perspectivas terapêuticas, usando nossa ciência básica em prol da saúde animal e humana. Estudamos estes sistemas primários de translocação iônica, tanto no seu potencial de interconversão de gradientes de prótons em ciclos de síntese e hidrólise de ATP, que é moeda energética de todas as células, bem como na sua capacidade de gerar sinais iônicos e modular a bioeletroquímica das membranas celulares. Assim, exploramos tais sistemas não só como transdutores de energia, mas também como protagonistas da transdução de sinais. Esse tipo de visão mecanística mais ampla, bem como as crescentes evidências da conservação desses mecanismos em diferentes células e organismos, nos fez levantar algumas hipóteses e modelos que, nos últimos anos, temos testado e validado, e por isso estamos explorando cada vez mais essa interface.

ASCOM/UENF – E quando veio a clareza de que o que você estava pesquisando poderia ajudar na medicina humana?

ARNOLDO – Foi ao acompanhar a luta de meu pai contra um câncer bastante agressivo, que acabou por vitimá-lo, em junho do ano 2000. Eu estava começando minha carreira aqui na UENF e não podia estar lá no Ceará, perto dele. Mas vivi intensamente todo o processo, passando por situações difíceis na comunicação com os profissionais de saúde que o tratavam. Enfrentamos a inacessibilidade de alguns, o desdém de outros, e problemas que não pude antecipar ou intervir, o que foi mais difícil, considerando a consciência que tinha dos fatos — afinal dei aulas de bioquímica para turmas de medicina, durante minha pós-graduação no Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, além do que já tinha aprendido estudando a literatura sobre os tratamentos mais avançadas da época. E, quanto mais estudava, mais percebia que havia uma ressonância muito grande entre a mecanística oncológica e os nossos dados sobre mecanismos proliferativos do crescimento vegetativo. Percebi que havia vertentes inexploradas que poderiam ser desenvolvidas, se não em tempo para ajudar meu pai, que o fosse para outros que poderiam ser poupados de tamanho sofrimento. Após a passagem dele, passaram-se ainda muitos anos de contínua preparação e estudos, antes de nossa primeira contribuição efetiva, uma publicação no American Journal of Physiology, em 2016, em colaboração com Martínez-Zaguilán, o pioneiro das V-ATPases no câncer, e versando sobre células tumorais de câncer prostático, justamente o que vitimou meu pai.

ASCOM/UENF – Você acha que os cientistas que estudam humanos e os que estudam as plantas precisam dialogar mais entre si?

ARNOLDO – Este tipo de ponte ainda é rara, mas o pessoal que faz pesquisa de ponta não trabalha mais só. Hoje há físicos, matemáticos, químicos, médicos e biólogos de diferentes matizes trabalhando integrados, em pesquisas de combate ao câncer e em todos os problemas de alta complexidade. Isso era raridade até pouco tempo atrás, e o caminho requer empenho e perseverança. E foi assim que ao longo do tempo, fomos conquistando a confiança de grupos de excelência na área da saúde, atraindo estudantes de pós-graduação interessados nesta interface de pesquisa, e juntos construímos uma ponte sólida entre esses dois mundos. O fato é que não se faz nada sozinho. Além da colaboração internacional acima mencionada, pudemos contar com colaborações seminais dos colegas do LBR-CBB, Andrea Arnholdt e Milton Kanashiro; e de nossa Medicina Veterinária, André Lacerda e Fernanda Antunes (com os quais, juntos fundamos a Unidade de Experimentação Animal, UEA-RJ). Desta confluência de expertises emergiram nossos primeiros artigos sobre mecanismos de combate ao melanoma, o câncer de pele mais mortal, por meio de moléculas derivadas de plantas e microorganismos. Um destes foi capa do Jornal Brasileiro de Cirurgia Veterinária, e outros dois foram publicados no respeitado periódico Biochimica et Biophysica Acta (BBA-GS). Os primeiros frutos deste tipo de formação mais eclética, transdisciplinar e translacional foram as autoras destes trabalhos, cujo sucesso tem se refletido em conquistas tanto aqui quanto no exterior. Por exemplo, Julianna Santos atualmente é uma produtiva pesquisadora associada à Texas Tech University, nos Estados Unidos. Já Brunna Martins é post-doc no The Hospital for Sick Children, em Toronto, Canadá, e acabou de ser premiada com um ‘IPTA Scientific Congress Award’ da Associação Internacional de Transplante Pediátrico. Quando ainda era nossa pós-graduanda, Brunna já havia sido premiada em congressos de duas sociedades científicas nacionais (na 42ª RASBBq e no 28º CBMM).

Egressos de nossa Iniciação Científica também têm conquistado diversas distinções, com várias premiações em nossos Encontros do PIBIC; alguns já cursando pós-graduação em instituições de excelência, como o Instituto Nacional do Câncer (INCA) e a UFRJ, onde inclusive um de nossos ICs foi selecionado para “Doutorado Direto” (sem necessidade de mestrado). Artigos derivados destes trabalhos de conclusão de curso estão ainda em preparação, pois uma de nossas preocupações é não publicar nada que não seja cientificamente muito consistente, e que traga algo de novo sobre mecanismos de ação de impacto real na competitiva área da pesquisa do câncer. Um bom exemplo é o nosso artigo de 2020, na prestigiosa revista EBioMedicine, em parceria com o renomado Luis Felipe Ribeiro Pinto do INCA, tendo uma de nossas mais talentosas egressas na autoria principal, Juliana do Couto Vieira.

ASCOM/UENF – E o que este artigo trouxe de avanço nesta área?

ARNOLDO – Nós avançamos no entendimento de detalhes importantes da composição molecular da bomba de prótons (V-ATPase), que se expressa diferencialmente em células tumorais. Essa expressão diferencial foi descoberta em 1994, nos Estados Unidos, pelo cientista Raul Martínez-Zaguilán, mas só nos anos 2000 começou a ser amplamente comprovada e expandida pela comunidade científica mundial — coincidentemente, na mesma época em que nascia nosso interesse pelo tema. Nossos estudos têm descrito assinaturas moleculares e dados mecanísticos que revelam uma complexidade estrutural e bioquímica muito maior do que a inicialmente prevista por trabalhos anteriores.

ASCOM/UENF – O que o Martínez-Zaguilán descobriu?

ARNOLDO – Ele descobriu que em vários tipos de tumores cancerígenos humanos, a V-ATPase, que normalmente reside em membranas de dentro da célula, também se direciona e se insere na membrana plasmática, passando a acidificar o meio extracelular, o que logo relacionou com a ativação de enzimas que dependem de um pH mais ácido para desencadear o processo de metástase. Nas membranas plasmáticas da maioria das células normais de animais (inclusive em nós humanos), predomina outra classe de ATPases, principalmente uma do tipo P, que transporta sódio e potássio, enquanto na mesma membrana de células vegetais prevalece outra enzima também do tipo P-ATPase, mas esta transporta prótons, tal qual as V-ATPases. Então, percebemos que no câncer, a V-ATPase migra de dentro da célula para a membrana plasmática, e aquela célula que só usava sódio e potássio para energizar esta membrana, passa a usar algo que as plantas sempre usaram – gradientes de prótons. Isso revelou que um dos eventos da reprogramação de uma célula normal para a formação de um tumor cancerígeno é a reenergização da membrana plasmática por uma bomba de prótons, dando suporte ao metabolismo celular hiperproliferativo tumoral e ainda favorecendo metástases. Posteriormente, trabalhando em colaboração com Zaguilán, descobrimos que as V-ATPases também se expressam diferencialmente nas membranas do núcleo celular, algo desconhecido até o nosso trabalho de 2016. Aqui, também tiramos proveito de nossos estudos prévios, realizados com nossos principais colaboradores, o professor Emérito da UENF, Dr. Lev Okorokov, e sua filha, minha esposa e colíder de grupo, Anna Okorokova Façanha, do LFBM-CBB, com os quais já tínhamos evidenciado a presença de subunidades da V-ATPase em frações de membranas nucleares de células fúngicas. Devo destacar que o Dr. Lev foi um dos primeiros cientistas a descrever bioquimicamente a existência da classe de ATPases do tipo V, em vacúolos de células de levedura, ainda nos idos da década de 1980.

ASCOM/UENF – Quais outras contribuições os estudos realizados na UENF estão trazendo?

ARNOLDO – Uma novidade que emergiu de nossos estudos é que essa bomba, uma enzima oligomérica com estrutura já muito bem conhecida, constituída por 13 a 14 subunidades (algumas apresentando diferentes isoformas, ao todo 25 genes as codificam em humanos), poderia se estruturar de diferentes formas em diferentes cânceres e até mesmo em distintos tumores de um mesmo tipo de câncer. Ou seja, revelamos a existência de assinaturas moleculares comuns à múltiplos cânceres, mas também alertamos sobre a existência de padrões complexos de variação destas assinaturas em diferentes tumores.

Então, as V-ATPases assim como as F-ATPases (primeira classe a ser descrita como motor molecular), possuem estruturas compostas por várias subunidades que se unem e funcionam harmonicamente formando maravilhosas máquinas moleculares, como Paul Boyer poeticamente as descreveu, ao receber o Prêmio Nobel de 1997 – um fantástico cientista que tive a honra de conhecer pouco antes do anúncio da premiação, no último ano de meu doutorado, quando meu orientador, o saudoso Leopoldo de Meis, amigo e colaborador de Boyer, nos apresentou no congresso da IUBMB de 97, em San Francisco. Foi a partir dos trabalhos de Boyer que se descobriu que estas enzimas geravam torque, e um grupo de pesquisadores japonês até chegou a registrar em imagens o giro desses motores moleculares em funcionamento. A gente descobriu que a montagem dessa bomba na realidade varia bastante em diferentes tumores, ou seja, são diferentes tipos de motores operando em distintos cânceres, mas que também são dotados de assinaturas moleculares específicas com o potencial de prover diagnósticos e/ou prognósticos mais precisos.

ASCOM/UENF – Em que isso pode mudar os rumos das pesquisas que vêm sendo feitas nesta área?

ARNOLDO – Na última década, houve muita pesquisa em busca de marcadores moleculares para a detecção e prognósticos mais precisos, ou ainda como alvos para novas drogas sintéticas, baseados no reconhecimento de uma ou outra subunidade especifica de V-ATPases tumorais. Hoje, já existem centenas de trabalhos apontando vários destes potenciais marcadores para os mais variados tipos de câncer. E por que nada surgiu ainda, que tenha se mostrado útil na prática? Simplesmente porque não é tão simples! Estamos dizendo: não gastem tempo e dinheiro investindo no desenvolvimento de medicamentos e kits diagnósticos baseados em expressões diferenciais de uma única isoforma ou de isoformas de uma só subunidade destes complexos. A luta contra o câncer é uma guerra colossal.  Você está tentando vencer uma doença que é extremamente complexa e heterogênea em suas bases moleculares. É uma síndrome, na realidade, não é uma doença só. São vários tipos de mutações e distúrbios que afetam uma miríade de proteínas oncogênicas e supressores tumorais, mas algumas coisas são comuns em quase todos os tumores. As alterações de expressão da V-ATPase é algo comum à maioria dos cânceres, e por isso é sim um alvo promissor, mas os estudos precisam ir muito mais a fundo, até chegar as redes de interações que constituem as assinaturas moleculares complexas que começamos a revelar.

Outro exemplo do potencial de nossos estudos foi produzido com a ajuda do Dr. Abdalla Dib Chacur, renomado ginecologista aqui de Campos, que nos deu a honra de orientá-lo no seu doutorado.  Em sua tese e num artigo publicado no formato ‘pre-print’ (ainda sem revisão editorial definitiva), apresentamos as primeiras evidências de que é possível se obter um prognóstico mais seguro para tumores de endométrio, através de assinaturas moleculares associadas à V-ATPase, possibilitando por exemplo, prevenir a remoção do útero nos casos em que o padrão das assinaturas aponte para um melhor prognóstico para a paciente. Este trabalho foi premiado no Congresso de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro, em 2019.

Nossa pesquisa está toda voltada para entender cada vez mais as diferentes nuances que existem nesta e em outras bombas iônicas, que são sistemas que estão envolvidos não só com o câncer, mas com outras doenças, como as infecções virais, por exemplo. Quando um vírus entra numa célula ele a escraviza, reprogramando o metabolismo celular para fazer milhares de copias de si mesmo.  Quando ele faz isso, ele cria toda uma demanda energética para poder multiplicar-se, então é uma doença hiperproliferativa também. O mesmo ocorre com fungos e bactérias. O maior desafio é que, depois que você levanta uma hipótese de tal amplitude, você mergulha em oceanos de complexidade cada vez maiores. Cada mecanismo desse é cercado de uma infinidade de outras moléculas que vão influenciar as interações e expressões funcionais destes motores moleculares, que são ao mesmo tempo específicas e variáveis, dependendo de cada tipo ou estágio do distúrbio proliferativo.

ASCOM/UENF – Então suas pesquisas também podem ajudar no combate a pandemias?

ARNOLDO – Potencialmente, sim. Na Covid, por exemplo, foi recentemente descoberto que a proteína Spike do SARS-CoV-2, aquela que faz o reconhecimento de receptores na célula a ser infectada, se conecta a uma proteína que também exerce função de subunidade acessória da V-ATPase. Foi descrito que tal acoplamento com a bomba de prótons pode integrar um dos mecanismos de penetração na célula. Então estudos da V-ATPase também podem ajudar nas respostas à esta pandemia e outras tantas epidemias virais. Mas os vírus usam várias estratégias para entrar na célula, essa é só uma. Então não adianta trabalhar com a V-ATPase em virologia? Adianta, porque todos os vírus dependem das funções que V-ATPases exercem nos compartimentos intracelulares. Depois que o vírus entra por qualquer via alternativa, ele vai precisar interagir e cooptar as vias metabólicas e os sistemas de membrana das organelas, para poder gerar as partículas virais e fazer a doença progredir.  Então, se conseguirmos entender profundamente as V-ATPases, não só das membranas plasmáticas, mas das membranas internas também, poderemos chegar a sugerir quais novos fármacos ou medicamentos já aprovados podem atuar sobre estes sistemas. Estamos trabalhando com fármacos clássicos derivados de plantas, para os quais uma ampla gama de efeitos terapêuticos, potencialmente relacionados à perturbação de sistemas transmembrana, têm sido propostos, mas cuja efetividade e amplitude esbarra na falta de uma descrição mais completa de seus respectivos mecanismos de ação.  

ASCOM / UENF – Qual o objetivo das pesquisas com os fármacos e medicamentos?

ARNOLDO – A gente está buscando descrever um mecanismo de ação primário para a ação de fármacos e medicamentos clássicos para os quais já existem boas evidências científicas de efetividade no combate ao câncer, doenças virais e hiperproliferativas em geral. Fitoterápicos como a curcumina, por exemplo. Há várias publicações apontando suas ações antitumorais, anti-inflamatórias e antivirais. Também estamos estudando um monoterpeno, o mirtenal, que é usado na indústria alimentícia; e também um composto sintetizado a partir de auxina, um fito-hormônio vegetal que já foi estudado na área de oncologia, dentre outros.

Temos estudado também a cloroquina e outros derivados como a mefloquina, que afetam a acidificação endolisossomal, dependente da V-ATPase, devido à grande polêmica gerada durante a pandemia da Covid-19. Aqui o nosso objetivo é entender mais detalhadamente os mecanismos de ação dessas drogas clássicas e poder então aprimorar, propor derivados, e a reproposição consciente, baseada no mecanismo elucidado, para evitar os erros e perdas que temos visto. Com isso seria possível determinar em que tipos de doenças hiperproliferativas existe de fato alguma efetividade terapêutica, e como desenvolver os testes necessários à prescrição mais segura e eficiente possível para cada caso. Nestes estudos contamos com o talento e dedicação de duas pós-doutorandas, Gildeíde Costa, do Programa Recém-Doutor da UENF, e Arícia Leone, nossa bolsista Nota 10 FAPERJ, além da importantíssima colaboração do colega Luís Basso, do LCFIS, que lidera um projeto FAPERJ numa temática biofísica complementar à nossa.

ASCOM / UENF – Você acredita que um dia teremos um medicamento que possa curar todo tipo de câncer?

ARNOLDO – Sonho com isso! Acredito que vamos chegar num momento da História em que conseguiremos curar, se não tudo, pelo menos a grande maioria dos males que hoje nos afligem, principalmente através da nanotecnologia. Este é um dos ramos mais integrativos da Ciência e que por isso mesmo detém tamanho potencial, e está avançando muito rapidamente. Já existem tecnologias de nanocápsulas, que liberam o quimioterápico no microambiente do tumor. Então a minha esperança de chegarmos a algo próximo a uma panaceia reside nos estudos básicos, em nível molecular, que fornecem os fundamentos para uma nanotecnologia tão avançada que possui o potencial para tornar realidade as fascinantes curas de clássicos da ficção científica. Todavia, sabemos que a cada porta que se abre, surgem novos desafios, e assim, a aventura da Ciência não tem fim!

ASCOM / UENF – Que conselho você daria para as pessoas se prevenirem contra o câncer?

ARNOLDO – Considerando os múltiplos fatores genéticos e epigenéticos, exames periódicos, incluindo os que envolvem diagnósticos moleculares. Quanto aos fatores comportamentais e ambientais, a fórmula é antiga: não beba, não fume e não seja fumante passivo também. Evite alimentos muito industrializados e dê preferência aos derivados da agricultura orgânica, ou com o menor uso de agrotóxicos possível. Controle a raiva e o medo, pois liberam cortisol, radicais livres, dentre outros fatores endógenos que causam efeitos cumulativos extremamente nocivos. Ou seja, tenha uma vida a mais equilibrada e natural possível – infelizmente, missão quase impossível nos nossos dias. Assim, o melhor é que todos defendam o apoio mais amplo possível à Ciência e a formação de novos cientistas.

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