“Rio, Negro”: exibição nesta quarta na Villa Maria

Fernando Sousa

 

Nascido em Teresópolis (RJ) e tendo morado grande parte da juventude em São Gonçalo (RJ), o cineasta Fernando Sousa começou sua trajetória acadêmica no ano de 2005, ao ingressar no curso de Ciências Sociais da UENF através do sistema de cotas para estudantes de escolas públicas. Hoje doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política do Centro de Ciências do Homem da UENF (CCH), Fernando estará apresentando nesta quarta-feira, 19/06/24, a partir das 18h,  na Casa de Cultura Villa Maria, seu mais recente filme: “Rio, Negro”, cuja direção é dividida com Gabriel Barbosa.

O evento, promovido pela Casa de Cultura Villa Maria, Cine Darcy UENF e Quiprocó Filmes, marca o Dia do Cinema Brasileiro e tem entrada gratuita. Após a exibição do filme, haverá um debate com a presença do próprio Fernando Sousa; do professor do Laboratório de Gestão de Políticas Públicas do CCH/UENF Roberto Dutra; e do jornalista Aluysio Barbosa, do grupo Folha da Manhã. A mediação do debate ficará a cargo de Gabriel Belchior, estudante de Cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF). Saiba mais AQUI.

Fernando considera sua entrada na UENF um marco importante em sua vida. Ao longo do curso de graduação, ele participou de projetos de extensão e iniciação científica. Ao mesmo tempo, foi professor do Pré-Vestibular Social, além de participar ativamente do movimento estudantil. Ele conta que, após a graduação, teve experiências profissionais com organizações da sociedade civil, movimentos sociais e o poder público. Fez ainda uma especialização em Sociologia Urbana e cursou o mestrado em Ciências Sociais na UERJ.

A primeira inserção no mundo do cinema se deu em 2014, quando Fernando começou a produzir filmes de curta metragem através de um edital do Canal Futura. A estreia como diretor e roteirista foi com o curta “Intolerâncias da Fé”, filme que teve uma repercussão nacional e internacional. A partir daí, Fernando não parou mais: até o momento, já são 14 curtas metragens e dois longas produzidos.

Segundo Fernando, a ideia de realizar o filme “Rio, Negro”, começou a ser elaborada a partir da constatação de que é necessário que haja novos olhares cinematográficos sobre a história do Rio de Janeiro, considerando a centralidade da população negra de origem africana na formação da cidade.

— Ao mesmo tempo, tínhamos o desafio de conferir centralidade ao debate, que articula o ideário racista com o conjunto de justificativas que acarretaram na transferência da capital para Brasília, bem como suas consequências político-institucionais para o Rio de Janeiro. Apesar de toda a contribuição para a formação da cidade, ao longo da nossa história essa mesma população negra foi perseguida, criminalizada e considerada como uma ameaça ao poder constituído, especialmente na transição para o período republicano — diz o cineasta.

A principal mensagem de “Rio, Negro”, segundo Fernando, é que, no Brasil, o público ainda carece de um entendimento mais amplo acerca dos múltiplos significados da diáspora africana na sociedade, especialmente numa cidade essencialmente negra como é o caso do Rio de Janeiro.

— O Rio é uma cidade negra, uma cidade-diáspora, o que nos remete ao fato de que esta foi a cidade que mais recebeu pessoas escravizadas de várias partes do continente africano. Cerca de 2 milhões de pessoas foram trazidas de forma violenta para cá. Além disso, ao longo do século XX, os territórios da cidade experimentaram diversos processos de dispersão dessa mesma população negra de origem africana e escravizada durante o período colonial, perseguida e criminalizada ao longo do período republicano — comenta.

Segundo Fernando, o filme busca desvelar como a população negra forjou trajetórias individuais e laços comunitários em uma cidade-diáspora marcada pelas disputas em torno do projeto “civilizatório” das elites brancas, conferindo centralidade para uma abordagem que esteja assentada na força de lugares e personagens negros.

Para tratar do tema, o filme, no estilo documentário, se valeu de entrevistas e de um vasto material de arquivo, composto por imagens audiovisuais, desenhos, gravuras e fotografias. Segundo Fernando, esses materiais se articulam com entrevistas que colocam em questão justamente essa construção do ideário racista e que englobava todo o sistema escravocrata. Em alguns casos, a imagem busca ir além dos seus elementos aparentes.

Ele cita como exemplo uma gravura de Jean Baptiste Debret, publicada em sua Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, que retrata uma cena urbana muito comum à época: duas mulheres negras e um outro homem negro cozinhando grandes panelões de angu entre outras pessoas negras que se alimentam da comida, comumente associada à população escravizada. Entretanto, no filme esta imagem é exibida ao longo da entrevista do professor Carlos Eugênio Líbano, que descreve o que se convencionou chamar de Casa de Zungu, estabelecimentos que vendiam a “comida do escravo urbano”, mas que também representava uma maneira de resistência e elaborações de possibilidades de vida contra e para além da escravidão, com suas redes de fuga e construção da sociabilidade entre as pessoas negras.

— Ou seja, ao longo da montagem do filme, nós nos colocamos uma questão que perpassa todo trabalho. que se utiliza de imagens produzidas por outras pessoas e em variadas épocas. Trabalhamos com uma perspectiva histórica muito abrangente. E, então, tínhamos noção de que seria um desafio articular a narrativa em torno do argumento que, para nós, possui uma centralidade importante na obra, a saber: de que forma esse ideário racista, que permeia o pensamento das oligarquias brancas brasileiras, foi central na construção das justificativas que buscavam legitimar e defender a ideia de que era necessária a transferência da capital do Rio para Brasília? Essa foi uma questão muito importante e que ainda é bem pouco explorada, inclusive em pesquisas acadêmicas.

Em seu doutorado na UENF, Fernando pretende analisar os modos de representação e circulação de coleções afro-diaspóricas depositadas em museus no contexto brasileiro e transnacional, considerando processos recentes que reivindicam a restituição desses acervos, objetos e patrimônios. Ao longo da pesquisa, ele pretende investigar a presença litigiosa, questionável e até ilegal de acervos afro-diáspóricos em coleções públicas, tendo em vista o contexto de aquisição ligado direta ou indiretamente à criminalização das religiosidades de matriz africana e à colonização, nos cenários brasileiro e transnacional, respectivamente.

Para Fernando, o enfrentamento do racismo é uma questão fundamental para a consolidação da democracia brasileira. Ele observa que, segundo o último “Atlas da Violência” publicado pelo IPEA, 77% das vítimas de homicídios no Brasil são pessoas negras. Lembra ainda a violência do estado, através das suas polícias, contra a juventude negra, as maiores vítimas fatais da violência policial.

 

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