Em um monitoramento no litoral fluminense, eles flagraram uma perereca alimentando-se de néctar, o que faz da espécie uma potencial polinizadora
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Anfíbios também podem ser animais polinizadores, assim como aves, morcegos e insetos. Foi o que descobriu um grupo de pesquisadores brasileiros — dentre eles egressos da UENF — em um monitoramento realizado no litoral fluminense. Eles registraram um feito inédito: uma perereca-comedora-de-frutos (Xenohyla truncata) saindo de flores, após sugar seu néctar, com grãos de pólen aderidos ao corpo.
O registro inédito foi publicado recentemente na revista científica internacional FoodWebs, especializada em artigos sobre dietas animais (Veja AQUI). Segundo o veterinário Henrique Nogueira, um dos autores do artigo, a grande maioria dos anfíbios só come vegetais em sua fase larval (girino), passando, na fase adulta, a consumir insetos e pequenos vertebrados.
Com cerca de cinco centímetros de comprimento, a Xenohyla truncata só existe no Brasil, nas áreas de restinga do estado do Rio de Janeiro. Trata-se de uma espécie classificada como vulnerável pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), organização dedicada a investigar, estudar e proteger a fauna e a flora do Brasil.
— Qual a grande questão agora? Se esse animal for extinto, além da perda da espécie, a gente também vai perder um anfíbio que desempenha uma função única. A gente estará perdendo talvez o único anfíbio capaz de realizar a polinização. Até hoje não havia registro de que algum anfíbio pudesse fazer isso — afirma Henrique, que está concluindo o mestrado em Biologia Animal na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMG) e é voluntário no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Animais Selvagens da UENF (NEPAS), sendo um dos responsáveis pela Coleção Herpetológica do Norte Fluminense.
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Os cientistas já sabiam que este tipo de perereca possui uma dieta onívora (se alimenta de animais e vegetais), tomando por base análises estomacais de indivíduos desta espécie preservados em coleções de museus. Mas este foi o primeiro registro em foto e vídeo do comportamento alimentar da Xenohyla truncata.
— Quando a flor a ser ingerida é pequena, a perereca a abocanha por inteiro. Porém, quando é grande, o animal penetra na flor, se alimenta do néctar e sai sujo de pólen. Como foi um registro pontual, a gente tem que dar continuidade à pesquisa para observar se ela realmente tem essa função de polinizadora na natureza, mas é muito provável que sim — afirma Henrique.
Outro dado interessante que o grupo percebeu é que a perereca come também frutos grandes. Até então, acreditava-se que ela só comia frutos pequenos, que conseguisse ingerir de uma vez só.
— Nós a vimos se alimentando de um fruto quase do tamanho dela. Ela abocanha e agarra um pedaço como se estivesse mastigando. No entanto, não há nenhuma estrutura mastigatória, só uma estrutura mais queratinizada dentro da boca, que ajuda a arrancar os pedaços — explica o pesquisador.
O monitoramento foi realizado em 2020, em uma área de restinga onde estava sendo construído um condomínio. Participaram da pesquisa também os biólogos Thaynara Mendes, atualmente mestranda da Unicamp, e Caio Andrade, técnico do NUPEM/UFRJ. Os estudos devem continuar agora em laboratório.
— Não é fácil encontrar esta espécie, pois ela é noturna e vive dentro das bromélias. Por ser uma espécie ameaçada de extinção, logo nos chamou a atenção. Então começamos a observar o seu comportamento. Por acaso chegamos em um dia em que havia diversos indivíduos se alimentando. Isso foi uma grata surpresa — conta Henrique.
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Segundo o pesquisador, a perereca corre risco de extinção justamente por causa da expansão imobiliária em seu habitat. O animal vive exclusivamente na restinga do Estado do Rio de Janeiro, na faixa compreendida entre a divisa com São Paulo até o município de Rio das Ostras.
— Ao longo da costa, a restinga está toda fragmentada. Então são pequenos grupinhos dessa espécie espalhados ao longo dessas áreas — ressalta.
A descoberta ocorreu totalmente por acaso. Henrique conta que algumas outras espécies de anfíbios até visitam flores, mas isso ocorre, na maioria das vezes, com o intuito de pegar algum inseto.
Em seu mestrado na UFMS, sob orientação do professor Diego José Santana, Henrique vem estudando a diversidade de anfíbios no Norte Fluminense. A defesa da dissertação está marcada para o próximo dia 28.
— O Norte Fluminense é uma das áreas com expressiva diversidade de anfíbios. E não há uma área que seja mais importante que a outra. Em cada uma delas há espécies que só existem naquele local. Encontramos espécies ameaçadas de extinção e espécies novas para a ciência, que estamos descrevendo — afirma o pesquisador, que avaliou áreas de Restinga na RPPN Caruara, o Parque Estadual do Desengano, a Estação Ecológica de Guaxindiba e algumas áreas da Baixada Campista.