Pesquisadores da UENF descobrem primeiro caso de nanismo em morcegos

Pesquisadores do Laboratório de Ciências Ambientais (LCA) da UENF descobriram o primeiro caso de nanismo em morcegos e o quinto em mamíferos silvestres em todo o mundo. Trata-se de um morcego da espécie Carollia perspicillata, capturado na Reserva Biológica União, no Rio de Janeiro. A descoberta foi publicada no volume de maio de 2023 da revista Canadian Journal of Zoology.

Capturado em 2018, o morcego apresentava proporções corporais nunca antes vistas. Segundo o doutorando Lucas Carneiro, que participa do grupo de pesquisa, coordenado pelo professor Leandro Monteiro, o animal possuía feições e massa corporal de um adulto de C. perspicillata, mas tanto as asas quanto as pernas eram muito menores.  

— O exame detalhado do morcego em questão, depositado na coleção mastozoológica da UENF sob o número UENFMZ390, e a comparação com outros espécimes na coleção, confirmou a identificação de campo. O espécime era uma indivíduo adulto de C. perspicillata que apresentava os 
membros desproporcionalmente curtos — conta. 

O termo nanismo é usado para descrever o encurtamento dos ossos do esqueleto, em especial dos membros. De forma genérica, o termo descreve muitos tipos de anomalias, que podem ser causadas por diferentes mutações ou ruídos sobre o desenvolvimento de um organismo. A maioria dos casos é causada por uma síndrome genética conhecida como acondroplasia. 

Os quatro pesquisadores, autores do artigo publicado na Canadian Journal of Zoology, durante triagem dos animais no laboratótio de campo na Rebio União. Professor Leandro (de branco), Marcelo Nogueira (de preto), Lucas (de azul marinho) e Braeno Mellado (de cinza)

De acordo com Lucas, esta espécie de morcego vem sendo estudada pelo grupo há cerca de dez anos. A ideia inicial era investigar a relação entre a forma dos animais e a sua sobrevivência. Porém, no decorrer das pesquisas, várias outras perguntas começaram a ser respondidas, como questões relacionadas à performance de voo, imunologia, questões sobre os próprios métodos para o estudo de morcegos etc.  

— Como o indivíduo era da mesma população que vem sendo acompanhada, foi possível compará-lo não só com o que se conhecia previamente por trabalhos já publicados, como também com o conjunto de informações que já haviam sido obtidas sobre a população da qual ele era proveniente — explica.  

Uma das questões que surgiram a partir da captura do animal era como ele era capaz de voar, uma vez que ele foi coletado na mata em rede. Embora o morcego apresentasse massa corporal mediana para um macho, mostrando que ele não devia ter dificuldade na obtenção de alimentos, sua asa era muito diferente do esperado para sua espécie. 

— A forma e o tamanho da asa estão intrinsecamente ligados ao padrão de voo e, por isso, a todos os aspectos da ecologia de um animal voador. Então nós precisávamos entender como esse morcego tão diferente era capaz de voar — explica o doutorando. 

Segundo Lucas, o projeto de longo prazo colocou o grupo em uma posição privilegiada para responder a esta questão. Em seu mestrado, Lucas havia investigado a variação na performance de voo na população desta espécie da Rebio União. Assim, foi possível comparar as asas do UENFMZ390 com 116 indivíduos da mesma população.  

— Seu padrão de voo era comparável ao realizado por fêmeas voando enquanto carregam os filhotes, ou seja, ele realizava voos de curta duração, mas a uma velocidade relativamente alta para compensar o gasto de energia — observa. 

De acordo com o pesquisador, esse é o primeiro caso de nanismo em um animal silvestre em toda a América. Os outros casos conhecidos são um elefante asiático no Sri Lanka, um veado-vermelho na Escócia e duas girafas, uma em Uganda e outra na Namíbia.   

Lucas Carneiro

Monitoramento pode ajudar a entender efeitos de mudanças climáticas  

Aluno do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais da UENF, Lucas considera o monitoramento de populações animais no ambiente natural muito importante para compreender uma série de questões relevantes da atualidade. Uma delas é como as espécies são afetadas pelas mudanças climáticas. 

— Ao acompanhar essa população de morcegos nós podemos registrar os efeitos de eventos climáticos extremos sobre esses animais. Esse é o tipo de pergunta que o projeto de longo prazo visa responder. E esse trabalho descrevendo o caso de nanismo em morcegos reforça que há aspectos da biologia dos organismos que a gente não consegue observar por conta da sua raridade. Mas quando esses eventos acontecem em populações monitoradas surge a oportunidade para a sua compreensão — afirma. 

Segundo Lucas, a C. perspicillata não é uma espécie ameaçada. Trata-se de uma das espécies  mais abundantes em quase todos os ambientes tropicais nas Américas. Por conta da elevada abundância, da quantidade de informação que se tem sobre a espécie,  além do fato de que ela tolera ambiente de cativeiro e semicativeiro, esse morcego vem sendo apontado como um novo e importante modelo para pesquisas biológicas. 

— Esse trabalho representa uma rara observação. Mas, apesar disso, não constitui uma observação oportunista. Na verdade, este caso e todos as observações anteriores de nanismo em animais de vida livre foram produtos de monitoramento populacional de longo prazo. Isso mostra a importância 
de estudos de longo prazo, que não apenas respondem às principais questões para as quais foram idealizados, mas também oferecem  oportunidades únicas para entender a real variação dos indivíduos em populações naturais — diz. 

Em seu doutorado, Lucas está conectando o trabalho feito em campo com o monitoramento da população de Carollia perspicillata na Rebio União a um trabalho em coleções científicas. O trabalho de longo prazo já mostrou que a assimetria, ou uma diferença no comprimento, dos antebraços  tem uma relação negativa tanto com a sobrevivência quanto com a reprodução nessa espécie.  E que essa assimetria também está relacionada ao nível da resposta imunológica que esses animais são capazes de montar. Também já se sabe que essas relações não são causadas por diferenças em como esses animais voam. 

— A gente atribui essas relações a uma propriedade conhecida como instabilidade do desenvolvimento, que seria a capacidade de um organismo de reduzir a influência de diferentes ruídos sobre o seu próprio desenvolvimento. Pra testar se essa propriedade é realmente responsável por essas relações que a gente observa no campo, eu estou testando se a instabilidade do desenvolvimento (medida pela assimetria) se expressa em um nível individual (ou seja, de forma parecida nas diferentes partes do corpo). Pra isso eu estou medindo os ossos das assas, das pernas e do crânio em morcegos de diferentes localidades (do México ao sudeste do Brasil) em coleções científicas no Brasil e nos Estados Unidos. 

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