‘O isolamento é necessário para nossa sobrevivência’

A pandemia do coronavírus forçou o mundo a uma parada estratégica. Mas que consequências isso trará para a economia mundial a curto e  médio prazo? Para a professora Joseane de Souza, que coordena o curso de Administração Pública da UENF, é possível antever uma recessão econômica global. “Uma das crises econômicas mais fortes da humanidade”, afirma Joseane, que é economista e demógrafa formada pela UFMG. Nesta entrevista concedida para a ASCOM/UENF, ela afirma que o isolamento, neste momento, é necessário. “Dele depende nossa sobrevivência e, quanto mais cumprirmos o isolamento social, mais rápido sairemos dele e poderemos buscar a recuperação econômica”, afirma. “A economia já está em crise, independentemente da continuidade ou não do isolamento, e não é uma crise da economia brasileira, é uma crise econômica mundial”.  Veja a entrevista:

ASCOM / UENF – Em termos globais, que consequências econômicas podemos esperar da pandemia do coronavirus?

Joseane – Podemos esperar uma grande recessão econômica em praticamente todo o mundo; uma das crises econômicas mais fortes da humanidade, perdendo apenas para a crise de 1929. Os países socialistas, por serem mais fechados, devem sentir um pouco menos os impactos da crise, mas ainda assim sentirão seus efeitos.

ASCOM / UENF –  A pandemia mudou a forma como vivemos, diminuindo consideravelmente o consumo. É possível vislumbrar um enfraquecimento do sistema capitalista no mundo?

Joseane – Enfraquecimento do sistema capitalista? Acredito que não. O capitalismo passa por crises cíclicas, algumas mais suaves outras mais intensas, mas sempre se reinventa. Na verdade, pela história do pensamento econômico, a cada crise o capitalismo se fortalece.

ASCOM / UENF – O presidente do Brasil defende o fim do isolamento para que a economia não entre em crise. Qual a sua opinião sobre isso?

Joseane – Em primeiro lugar temos que pensar na sobrevivência da população. A experiência de outros países – como Itália, Espanha e EUA, por exemplo – que se encontram em estágio mais avançado em relação ao Brasil, no processo evolutivo da doença, nos mostra, empiricamente, o seu poder devastador. O isolamento é necessário porque dele depende nossa sobrevivência e quanto mais cumprirmos o isolamento social, mais rápido sairemos dele e poderemos buscar a recuperação econômica.

É claro que o desempenho econômico é uma questão que causa preocupação a todos, porque afinal de contas não há maná caindo do céu. Todos temos contas para pagar, muitas pessoas estão com medo de perder seus empregos…  Mas o fim precoce do isolamento pode ser mais prejudicial do que benéfico para a economia, se pensarmos a médio e longo prazo. A economia já está em crise, independentemente da continuidade ou não do isolamento, e não é uma crise da economia brasileira, é uma crise econômica mundial.

É uma ilusão pensar que suspendendo o isolamento neste momento a economia voltará a funcionar como antes. Isso não vai acontecer. Nenhuma projeção econômica sinaliza isso. Abrir lojas agora não vai refletir em aumento das vendas e, portanto, em receita…  Pelo menos não em quantidade suficiente que justifique esta iniciativa. Quem em sã consciência vai sair de casa para realizar consumo não essencial neste momento? Quem sairá de casa para lazer ou para passear nos shoppings? Isso é irracional. Nossas inseguranças são muitas. Assim como nossas incertezas, não apenas em relação às questões sanitárias, mas em relação às nossas próprias situações econômico-financeiras num futuro próximo. Num ambiente de incertezas, o consumo se retrai. Nesse sentido, a abertura do comércio agora pode gerar mais custos… mais prejuízos ainda para o proprietário.

É um equívoco defender o fim do isolamento nesse momento.

ASCOM / UENF – A pandemia expôs ainda mais as desigualdades brasileiras, mostrando a necessidade de políticas de ajuda aos mais necessitados. É o fim da ideologia do estado mínimo?

Joseane – Não acredito nisso. Nesse momento, no mundo inteiro percebemos um maior protagonismo do Estado e não poderia ser diferente. Mas a tendência maior é que quando a crise sanitária passar e a economia começar a apresentar sinais de recuperação, o Estado volte a se encolher. Talvez nesse processo ele não volte a ser tão reduzido quanto antes, mas também não deve manter esse protagonismo que estamos vendo agora.

Por outro lado, é interessante considerar que a pandemia evidencia que o Estado é necessário, pelo menos em alguns setores fundamentais, como saúde e educação.  O que seria da população nesse momento se não fosse o SUS, apesar de todos os seus problemas? Eu imagino que a população deve passar a exigir uma maior, mais eficaz, eficiente e efetiva participação do Estado principalmente nesses setores daqui para a frente.


ASCOM / UENF – Fala -se muito em desemprego, mas por outro lado algumas atividades cresceram, como vendas online, serviço de entrega a domicílio etc. Como a senhora avalia essa questão? 

Joseane – É natural que nesse momento alguns setores – como vendas on line, serviços de entrega a domicílio, dentre outros – apresentem crescimento acelerado, enquanto outros setores experimentam forte retração. A questão é que o emprego gerado nesses setores em expansão está longe de ser suficiente para compensar o aumento do desemprego nos demais setores da economia; isso se reflete no aumento da taxa de desemprego aberto. Além disso é importante considerar que o segmento em expansão no mercado de trabalho é caracterizado por alto grau de informalidade, condições precárias e baixa remuneração. 

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