Com um discurso cativante, emocionado e poético, a professora Arlete Parrilha Sendra foi o grande destaque do aniversário da UENF na última sexta-feira, 16/08/24. A um mês de completar 90 anos de idade — dos quais 30 dedicados à Universidade — Arlete recebeu o título de Professora Emérita da UENF durante a Sessão Solene do Conselho Universitário (CONSUNI), que também homenageou servidores ativos e aposentados e concedeu a Medalha Darcy Ribeiro ao presidente da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Jérson Lima da Silva.
Amigo de longa data de Arlete, o professor Marcelo Gantos, do Centro de Ciências do Homem da UENF (CCH), fez a apresentação da professora, ressaltando sua trajetória pessoal, desde o nascimento em Cambuci (RJ), passando pelo ingresso como técnica da UENF em 1994, o doutorado em 1997 e, posteriormente, o concurso que a tornou docente da UENF. Lembrou ainda o pós-doutorado em 2001 na Espanha, onde estiveram juntos, bem como sua inserção, recentemente, na área de dramaturgia.
— Arlete contribuiu ativamente no período fundacional da UENF, estabelecendo uma ponte importantíssima com a comunidade local, que se estende até hoje. Em sua vida profissional, ela esteve sempre no magistério, motivada pela busca de excelência e inovação nas práticas educativas. Tem sido responsável pela formação de várias gerações de campistas — afirmou.
Em seu discurso, Arlete lembrou de sua infância em Cambuci: o casarão da avó, os carros de boi, a cachoeira e o “valão da saudade” — cheio de pedras com limo onde, apesar dos escorregões e machucados nas pernas, ela sempre voltava.
— Eu sabia que tinha que voltar e dominar aquilo. As águas davam para outra cachoeira e eu dizia: é por essas águas que vou navegar. Eu me importava com o destino das águas, eu queria segui-las e eu as persegui, vim pelo Rio Paraíba e cheguei a Campos, que me acolheu. Como devo a Campos esse acolhimento, esse abraço que hoje me envolve! — disse.
Com espirituosidade, Arlete lembrou a estranheza que causou aos colegas da Universidade de Salamanca, ao iniciar o pós-doutorado com a idade de 70 anos. Ela contou que não pensou duas vezes quando recebeu o convite de seu orientador de doutorado, o professor Gilberto Mendonça Teles, para a vaga de pós-doutorado no exterior.
— Desconstruindo a cultura que nos rege, aos 63 anos terminei meu doutorado. E foi nesse momento, quando terminei e fui fazer o concurso para docente da UENF, que percebi a perversidade da cultura que chama as pessoas idosas de velhos. Mas por que velhos? Não somos velhos pela idade, não é a idade que nos envelhece. O que nos envelhece é a nossa mente. Então, naquele momento eu me autobiografei. Ai eu disse assim: “Não me perguntem quantos anos tenho, não me perguntem quantos anos faço. Meus caminhos começam além da margem de lá, depois da curva do rio, entre pedras e cachoeiras. Que não lhes impressione a cor gasta de meus cabelos, nem os meus olhos fundos, profundos, e a pele que em rugas guarda os segredos que vivi. Não me perguntem quantos anos faço. Perguntem que canções canto, que poemas leio, que histórias escrevo. Perguntem quem se aquece em meu abraço, quem se alimenta de meus beijos e se acolhe nas minhas mãos cansadas. Perguntem pelos portos que me aguardam, pelas emoções que vivo, pelos horizontes que ja ultrapassei. E, quando me virem caminhando assim, entre silêncios e pensares, olhar distante numa falsa distração, apontem-me como alguém que ama, luta, sonha, espera e crê. Então, só então, digam: aí vai uma jovem. Para quem todo amanhecer inaugura algo. E que acredita que, enquanto houver vida, não haverá ponto final“.
Homenagens a servidores
A Sessão Solene foi iniciada com a apresentação da Orquestra Sinfônica Mariuccia Iacovino, núcleo central da Orquestrando a Vida. Em seguida, foram chamados à mesa a reitora da UENF, Rosana Rodrigues; o vice-reitor, Fábio Lopes Olivares; o pró-reitor de Graduação, Juraci Aparecido Sampaio; a pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação, Maria Cristina Canela; a pró-reitora de Extensão, Deborah Guerra Barroso; e o pró-reitor de Assuntos Comunitários, Milton Masahiko Kanashiro.
Representando os docentes do CONSUNI, a professora Georgiana Feitosa da Cruz, do Laboratório de Exploração e Produção de Petróleo (LENEP), saudou os presentes. Também proferiram discursos de saudação o técnico Paulo César Paes Fernandes, do Sintuperj, em nome dos servidores técnico-administrativos da Universidade, e a estudante Emanuelle de Paula Ferreira, do Diretório Central dos Estudantes (DCE), representando o corpo discente da UENF.
Em seguida, foram feitas homenagens aos servidores que se aposentaram no último ano: Ercely Dutra da Silva, Ronaldo Pinheiro da Rocha Paranhos e Sérgio Xavier Manhães, bem como a técnicos e docentes de cada Centro, Reitoria e Diretoria Geral Administrativa (DGA).
Pelo Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB), foram homenageados os servidores Maura da Cunha (docente) e Rogéria de Souza Pinheiro (técnica); pelo Centro de Ciências do Homem (CCH), a professora Denise Cunha Tavares (docente) e Alcemir Marques Barreto (técnico); pelo Centro de Ciência e Tecnologia (CCT), Jonas Alexandre (docente) e José Fernando Abreu Almeida (técnico), e pelo Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA), Rosana Rodrigues (docente) e Leandro Espanhol (técnico). Pela Reitoria, foram homenageados Juraci Aparecido Sampaio (docente) e Ana Cristina Oliveira da Rocha Pessanha (técnica); e pela DGA, a técnica Eliane do Espírito Santo Dias de Freitas.
Medalha Darcy Ribeiro
A pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação da UENF, Maria Cristina Canela, apresentou o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Jérson Lima, presidente da Faperj, a quem o CONSUNI outorgou a Medalha Darcy Ribeiro. Maior honraria da UENF, a Medalha Darcy Ribeiro é uma forma de reconhecer e homenagear aqueles que, por meio de suas ações e contribuições, têm promovido os valores e o legado de Darcy Ribeiro, idealizador da UENF, especialmente no que se refere à valorização da educação pública e ao compromisso com o progresso social.
— É uma honra receber a Medalha Darcy Ribeiro. Estou muito grato por essa homenagem. Esta distinção carrega um significado profundo para mim, tanto pessoal quanto profissionalmente. Parabenizo toda a comunidade da UENF, que é um imenso orgulho para o Estado do Rio de Janeiro e para o Brazil e que hoje completa 31 anos de existência. Receber essa distinção que leva o nome de um dos maiores intelectuais brasileiros, antropólogo e sociólogo, é sem dúvida um dos pontos altos da minha carreira — disse o presidente da Faperj.
História da Universidade
O vice-reitor da UENF, Fábio Lopes Olivares, traçou um panorama histórico da Universidade. Lembrou que a criação da UENF teve um processo muito peculiar, amparado em uma demanda popular e alicerçado pela vinda de grupos de pesquisa consolidados, oriundos de instituições nacionais e estrangeiras. Ressaltou que o modelo de gestão preconizado por Darcy — que separava as atividades-meio das atividades finalísticas, com as atividades administrativas a cargo da Fenorte — não foi à frente, fazendo com que a UENF tivesse que caminhar sozinha.
Segundo o vice-reitor, a primeira década da UENF foi marcada por dois grandes concursos, a luta pela conquista da autonomia administrativa e a primeira gestão de um reitor eleito. Na segunda década, ocorre a expansão da oferta de cursos de graduação e pós-graduação, a consolidação de novos grupos de pesquisa, a consagração dos programas de iniciação científica e a expansão da infraestrutura física da Universidade. Já a terceira década se destaca pelos avanços significativos na extensão universitária, nas iniciativas de cultura e arte, no estabelecimento de políticas robustas de assistência e permanência estudantil e na construção e maturidade para a conversão de pesquisas em produtos, processos e políticas públicas moldadas pela cultura da inovação e empreendedorismo, apesar da profunda crise financeira e do período pandêmico.
— Iniciamos recentemente a quarta década de existência da UENF instrumentalizados para o exercício pleno da indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão e colocados diante de desafios contemporâneos — disse.
Em seu discurso, a reitora Rosana Rodrigues afirmou que, a cada aniversário, a UENF se consolida na história como uma universidade contemporânea, afinada com o que há de mais significativo e fundamental para o progresso educacional e científico, valorizando o desenvolvimento social, econômico e ambiental.
— Ao longo deste período, a UENF se consolidou como uma instituição de excelência, marcada por um compromisso inabalável com a qualidade do ensino, da pesquisa, da extensão e com a inovação. Norteada pelos ideais de Darcy Ribeiro, a UENF se destacou por ser um modelo pioneiro de ensino e pesquisa integrados que rapidamente a posicionou entre as melhores do país e da América Latina. Hoje, com a nota 5 no Índice Geral de Cursos do MEC, estamos entre as 15 melhores universidades do país e entre as 100 melhores da América Latina — afirmou.
A reitora destacou que o sonho dos fundadores da UENF (Darcy, Brizola e Niemeyer), atendendo a um apelo dos campistas, se traduz hoje no futuro dos estudantes matriculados nos 20 cursos de graduação e 16 programas de pós-graduação, bem como dos bolsistas dos 180 projetos de extensão financiados pela Faperj. No entanto, muitos foram e continuam sendo os desafios enfrentados. No início, um desafio foi a própria construção dos prédios, bem como a formação das primeiras equipes dos laboratórios, o credenciamento dos primeiros cursos e a desvinculação definitiva da Fenorte.
— Mais recentemente, tivemos outros desafios, como as restrições orçamentárias e a falta de investimento em educação, ciência e tecnologia. Outro desafio foi a adesão ao Pacto de Recuperação Fiscal, usado hoje como um escudo, por exemplo, para a não aprovação imediata do nosso Plano de Cargos e Vencimentos (PCV). Todos esses desafios foram, estão sendo e serão vencidos em nome dessa universidade pujante, inovadora, transformadora e comprometida com pautas estratégicas e com o nosso desenvolvimento estadual — afirmou Rosana, lembrando que hoje a UENF possui dois campi, cinco bases avançadas de pesquisa e está em 15 municipios em parceria com o Cederj. São mais de 10 mil profissionais formados e em torno de 5 mil teses defendidas.
Depoimentos
A Sessão Solene do CONSUNI pelos 31 anos da UENF teve a participação de representantes de diversas instituições. Um deles foi o reitor do IFF, Victor Saraiva, que destacou a transformação que a chegada da UENF trouxe para a cidade de Campos e para a região.
— A UENF é uma instituição que atende à comunidade com ensino de qualidade e projetos de extensão. Esperamos que a UENF tenha muitos mais anos de sucesso em Campos e região — afirmou.
A diretora da UFF Campos, Ana Costa, também presente à cerimônia, citou a UENF como referência em ensino, pesquisa e extensão na região.
— A UENF, o IFF e a UFF transformaram a realidade de Campos e região com projetos democráticos e populares que, por meio da educação, resultaram em mudanças para a classe trabalhadora — considera Ana.
O presidente da Faperj, Jerson Lima da Silva, que foi agraciado com a Medalha Darcy Ribeiro, afirmou que Darcy foi uma figura emblemática, que ensinou o valor da Educação e da atividade humana.
— Darcy me inspirou a construir um novo Brasil forjado pelo conhecimento, ciência e educação. Agradeço à UENF, a meus mestres e meus alunos por esta medalha. Lembro quando o professor Wanderley de Souza me convidou a ministrar uma palestra na UENF. Meu caminho sempre esteve entrelaçado com a UENF — conta Jerson, que foi prestigiado por diversos servidores da Faperj, aos quais agradeceu à presença na cerimônia.
A professora emérita da UENF, Arlete Parrilha Sendra, afirmou que a UENF é um sonho de Campos, que teve suas sementes lançadas por Brizola e Darcy para que o mundo esteja aqui, cresça e se confraternize.
— Eu queria estar aqui dentro. Fui fazer mestrado e doutorado. Entrei no mestrado com 57 anos e terminei meu doutorado aos 63 anos. Depois surgiu a oportunidade de fazer o doutorado na Europa. E fui para Salamanca, na Espanha, de onde vieram as Parrilhas. Eu já tinha 70 anos, as pessoas ficavam me olhando, mas eu fiz. Eu fiz assim mesmo. Sonhos são passaportes. E o sonho do Darcy passou a ser meu. O sonho de uma universidade que abraçasse a todos os saberes — disse Arlete.
A reitora da UENF, Rosana Rodrigues, que está na UENF desde o seu início, lembrou que veio para a UENF quando ainda era uma estudante de doutorado e não saiu mais.
— Naquela época, há 31 anos, eu era uma estudante de doutorado que buscava um espaço na academia. E a ideia do Darcy de mesclar pesquisadores sêniores, experientes em suas áreas, lideranças, com jovens que almejavam uma vida acadêmica me encantou. Eu entendia aquilo como uma oportunidade muito diferente do que existia no Brasil até então. Aqui na UENF nós fomos logo absorvidos e tratados como iguais por esses professores sêniores tão renomados. Então, a UENF está há 31 anos construindo junto com seus servidores e estudantes um futuro melhor de uma forma inovadora, com desenvolvimentos social, ambiental e econômico, de uma forma sustentável e justa — afirmou.
lç