Produto totalmente novo na agricultura promete minimizar efeitos do aquecimento global

Imagine estudar física para melhorar o mundo. Pois é isso que pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Gases do Laboratório de Ciências Físicas (LCFIS) do Centro de Ciência e Tecnologia (CCT), na UENF, têm feito junto a cientistas da Alemanha através de Programa de Intercâmbio que oferece bolsas sanduíche para alunos brasileiros. Uma das vertentes da pesquisa é justamente desenvolver e estudar fertilizantes especiais para diminuir a geração de gases de efeito estufa na atmosfera, fenômeno que gera o aquecimento global.
Atualmente, o uso de fertilizante nitrogenado no campo leva à produção de um gás chamado óxido nitroso — que é quase 300 vezes mais potente que o CO2 (dióxido de carbono) na produção do efeito estufa.
Na UENF, o professor Marcelo Gomes é responsável por este estudo voltado à medição de gases de efeito estufa através do Grupo de Pesquisa em Gases (GPG).
— Comparadas ao dióxido de carbono, as concentrações de óxido nitroso são muito baixas. Mas, em função da demanda por alimentos, obviamente, as concentrações vêm aumentando, aos poucos, ao longo do tempo. Por processos bioquímicos no solo (nitrificação e desnitrificação), o óxido nitroso é produzido na agricultura, tendo a ureia, fertilizante nitrogenado mais usado, como a principal fonte de nitrogênio — explica.
Segundo dados de 2024 do Ministério da Agricultura e Pecuária, no Brasil, por exemplo, todo o território é responsável por cerca de 8% do consumo global de fertilizantes, ocupando a quarta posição, atrás apenas da China, Índia e dos Estados Unidos. Mais de 87% dos fertilizantes utilizados no Brasil são importados.
Intercâmbio Brasil-Alemanha
Durante algumas semanas do mês de março deste ano, a UENF, através do LCFIS e da equipe do professor Marcelo Gomes, recebeu o professor da Universidade de Ciências Aplicadas de Hamburgo (Alemanha), Marcus Wolff, para conhecer os laboratórios da universidade e trocar contribuições a respeito do projeto.
Atualmente, três pesquisadores brasileiros da UENF (em sua maioria, mulheres) também estão na Alemanha neste intercâmbio da ciência.
A iniciativa do projeto partiu do professor Marcelo Gomes, que através do Programa Brasil- Alemanha (Probral) — financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pela Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD), serviço de intercâmbio acadêmico alemão — mantém atualmente duas bolsas de doutorado sanduíche e uma de pós-doutorado em Hamburgo, na Alemanha.

As bolsas, dentro deste Programa, estão associadas à pós-graduação e mantêm os pesquisadores desenvolvendo pesquisas por até dez meses nos laboratórios da Alemanha (mínimo de quatro meses para o doutorado sanduíche). O Brasil também recebe os estudantes alemães. No ano passado a UENF contou com dois deles (um estudante e um técnico), segundo o professor Marcelo. O projeto de bolsas sanduíche tem duração de dois anos.
— Estamos no segundo ano e é possível prorrogação por mais dois anos. Depois disso tem uma carência de um ano para poder solicitar novo projeto — explica o professor.
Além das bolsas para estudantes, os professores também têm duas ‘missões’ de trabalhos por ano. Como coordenador, o professor Marcelo Gomes precisa ir, pelo menos a cada dois anos, até a Alemanha.
— No ano passado eu fui com o professor Leonardo Mota. Estivemos por lá na Alemanha por duas semanas. Pudemos ver a infraestrutura do laboratório de lá, sentamos para discutir o plano de trabalho dos alunos que estariam indo para a Alemanha. E agora a vinda do professor Marcus dá a chance para os alunos de conhecê-lo e também de ele conhecer nosso laboratório, dar sugestões às nossas pesquisas — relata o professor Gomes.
Ainda segundo o professor, com esse trabalho que vem sendo desenvolvido, existem sempre estudantes brasileiros encabeçando importantes artigos e se destacando internacionalmente.
Atualmente, o projeto de detecção de gases na agricultura para desenvolvimento de fertilizantes mais sustentáveis, em parceria com o laboratório de física da Alemanha, está na fase de publicação dos resultados.
— Acabou a fase que é a parte de instrumentação, de preparação dos equipamentos para as detecções dos gases. e esses resultados estão sendo publicados. Agora vamos para uma fase com desafio maior para a agronomia — que é a de monitorar em campo. Os pesquisadores desenvolveram alguns coletores especiais de gases que são levados para campo. Esses coletores foram recentemente testados. Vamos levá-los para coleta no campo, trazer e medir no laboratório. Porque, em especial, o tipo de sensor que a gente usa demanda uma quantidade maior de captação de gás [técnica através da fotoacústica] —pontua Marcelo.
Mais sobre a linha de pesquisa
A linha de pesquisa que desenvolve fertilizantes que diminuem a geração de gases de efeito estufa na atmosfera possui diversos outros benefícios naturais e também econômicos para a sociedade.
Segundo o professor Marcelo, o desenvolvimento deste método acontece em parceria com a Embrapa Solos (RJ) e Embrapa Agrobiologia (Seropédica).
— A Embrapa Solos já começa a desenvolver fertilizantes com essa preocupação. Ou seja, o que acontece se jogar a ureia no solo? Quase 70% dela é perdida. Mais ou menos 30% desse fertilizante é utilizado para a planta. A planta suga, aproveita. O restante é volatilizado como amônia, é produzido óxido nitroso. Ocorre a lixiviação — esse fertilizante pode descer e contaminar o solo, as águas etc — sinaliza o pesquisador.

Para Marcelo, a ideia é testar para analisar todas estas perdas. E fazer com que essa liberação do nutriente para a planta seja na velocidade que a planta precisa e não de forma excessiva.
— Quando é de forma excessiva, a planta não consegue ter tempo de absorver. A maior parte do fertilizante é perdida por volatilização ou por lixiviação. Então é um custo para o ambiente porque está gerando gases como amônia e como óxido nitroso, contaminando as águas com nitrato. E o outro problema também que pode ocorrer é a questão econômica porque se está perdendo fertilizante — pondera.
A título de curiosidade, em relação à questão ambiental, o professor Marcelo Gomes acrescenta que, neste programa de cooperação, até as viagens de avião precisam valer o combustível ‘queimado’ com idas e vindas.
— No caso da parceria com a Alemanha, o tempo calculado de estada dos pesquisadores tem que valer o combustível gasto nas viagens para que sejam realmente de trocas sustentáveis — diz.
Confira abaixo mais informações sobre a pesquisa e este intercâmbio entre UENF e Alemanha em entrevista exclusiva com o professor visitante da Universidade de Ciências Aplicadas de Hamburgo (Alemanha), Marcus Wolff.
ASCOM/UENF – Por que você está no Brasil, qual a motivação?
Marcus Wolff – Bom, eu tenho essa colaboração com o professor Marcelo Gomes e ele está fazendo pesquisa no mesmo campo (de estudo) que eu estou trabalhando. Não a mesma pesquisa, mas no mesmo campo. É uma combinação muito frutífera entre esses dois grupos de pesquisa. Ele está fazendo pesquisa de alto nível mundial no campo dele e eu me encaixo aqui. Posso aprender muito dele e ele me visitou, então é uma colaboração frutífera.
ASCOM/ UENF – Como foi a ideia de colaboração inicialmente?
Marcus Wolff – Bem, tem uma conferência científica muito importante que acontece a cada dois anos. Nós nos conhecemos nessas conferências. Elas se chamam ICPPP (International Conference of Photoacoustic Photothermal Phenomena). Eu estive aqui no Brasil há vinte e um anos, em 2004. Nós nos conhecemos lá pela primeira vez e continuamos a nos ver. Há três anos, surgiu a ideia de aplicar para financiamento um projeto em conjunto. E levou um tempo, mas agora nós o temos, através da Capes e do DAAD.

ASCOM/UENF – Conte mais detalhes sobre o que você está fazendo aqui nessas semanas.
Marcus Wolff – Eu pude conhecer todos os outros membros do grupo de pesquisa do professor Marcelo: os estudantes de doutorado, os de pós-doutorado e também há um pesquisador contratado permanentemente. Eu pude ouvir sobre seus diferentes projetos. Cada um tem seu próprio projeto em que trabalha. E eu dei meu feedback para os alunos de doutorado e pós-doutorado e espero que os tenha ajudado. Nós estamos agora planejando os próximos passos da nossa colaboração. Nós vamos a conferências ou, na verdade, os alunos de doutorado vão a conferências para apresentar resultados da nossa pesquisa conjunta. Isso vai acontecer na Europa, esse ano, enquanto as pessoas do Brasil ainda estão lá. Eu tenho agora três pessoas do grupo do Professor Marcelo: dois doutorandos e uma pós-doutoranda. Um aluno de doutorado irá, em maio, para Munique e apresentará resultados da pesquisa dele, que ele fez na Alemanha. A pós-doutoranda irá para Praga para apresentar seus resultados.
ASCOM / UENF – Com os resultados da sua pesquisa, onde ela seria aplicada na sociedade?
Marcus Wolff – Essa é uma ótima pergunta. Em geral, essa é uma ferramenta que você pode aplicar para várias coisas. Nessa colaboração concreta, nós estamos voltados para solos, o chão, lá fora, se for usado na agricultura. Se os fazendeiros fazem crescer plantas nele, eles precisam fertilizar, colocar nitrogênio no chão. Existem diferentes tipos de fertilizantes e a planta vai absorver parte deles para crescer mais rápido, mas parte dela vai reagir com água da chuva e todo o resto e vai gerar gases: N2O (óxido nitroso) e NH3 (Amônia). Eles são os que colaboram, de forma direta e indireta, para o efeito estufa, se forem para a atmosfera. Geram calor e são parte do problema para o efeito estufa que temos hoje. Então estamos detectando esses dois, N2O e NH3 e tentando achar fertilizantes que não vão gerar tanto desses dois gases. Mas nós temos que medi-los primeiro. Ver se esse fertilizante gera esse tanto, o segundo gera menos, o que é provavelmente melhor e o terceiro ainda menos, então esse é o melhor.
ASCOM / UENF – Qual foi o sentimento que motivou vocês a fazerem essa pesquisa?
Marcus Wolff – Eu não sei como é no Brasil, mas a Organização Meteorológica Mundial (OMM) esteve no Rio no ano passado (III Conferência Municipal de Meio Ambiente e Clima (CMMA). Houve uma discussão durante esse evento aqui no Rio sobre um problema que afeta o mundo inteiro: a mudança climática. Na Alemanha nós não a vemos tão dramaticamente porque, para nós, não vamos ter tanta neve quanto tivemos no passado. Para mim, isso significa que eu tenho que tirar menos neve com a pá [falou, em tom descontraído], mas em outros países no sul, basicamente, tem um enorme efeito na agricultura e também no aumento de enchentes e chuvas pesadas, então foi decidido que esses gases ativos do clima devem ser reduzidos. E com o nosso projeto em conjunto nós esperamos contribuir um pouco para esse objetivo.
ASCOM/UENF – A pesquisa de vocês é algo novo ou existem outras universidades que estão desenvolvendo algo similar?
Marcus Wolff – Bom, o plano é de publicar nossos resultados. Nós temos publicações em conjunto e, também, o que vamos apresentar nas conferências em Munique e Praga. Essas são conferências científicas e as contribuições só serão aceitas se for algo novo. Então isso é definitivamente novo, o que estamos fazendo. O que não significa que estamos trabalhando no vácuo, há outros grupos que estão trabalhando nesse campo também, mas o que fazemos, nós nos diferenciamos de outros grupos. Nós fazemos nossas próprias técnicas e temos, assim, resultados muito especiais.
ASCOM / UENF – É a primeira vez que você vem à UENF? O que você está achando da universidade?
Marcus Wolff – Sim, na UENF sim. Sobre a universidade, eu não vi muito, eu vi o departamento de física, visitei o Vice-Reitor e a ASSAII ontem e estive no Restaurante Universitário. Mas posso te dizer que estou impressionado pelo laboratório do professor Marcelo. Ele tem um laboratório de pesquisa equipado em nível internacional e com tudo que você precisa para fazer pesquisa de classe mundial, posso te dizer isso. E a comida no restaurante é boa.
ASCOM/UENF – Para você, qual a importância da ciência para a sustentabilidade do nosso planeta, para a nossa vida?
Marcus Wolff – Eu penso que a ciência tem um papel essencial nisso. A ciência tem a habilidade de fazer mudanças, não imediatamente, mas a médio e longo prazos. Nós podemos preparar novas condições, identificar problemas e achar soluções e é isso que estamos fazendo em nossas possibilidades pequenas e limitadas.
(Jornalista: Thábata Ferreira – Fotos: Cassiane Falcão – ASCOM/UENF)