Almy promete novo modelo de política agrícola para Campos

Pela primeira vez em sua história, a UENF tem um de seus professores/pesquisadores ocupando um cargo no alto escalão do governo municipal. Almy Júnior Cordeiro de Carvalho — reitor da UENF de 2007 a 2011 e pró-reitor de Graduação de 2003 a 2007 — é o novo secretário de Agricultura de Campos dos Goytacazes. Nesta entrevista concedida à ASCOM/UENF, Almy traça um quadro desolador da área em que começa a atuar. “As condições nas quais encontramos o sistema público de agricultura do município são muito ruins, com pouca presença da produção agrícola na geração de emprego e renda para o povo”, diz Almy, que encara como principal desafio de sua gestão a criação de “um novo e sustentável sistema de política agrícola para o município”.

Filho de produtores rurais, Almy nasceu em 1967 no município de Pinheiro, no Espírito Santo. Chegou à UENF em 1993 — ano de inauguração da Universidade — ainda como estudante de doutorado. Em 1998, tornou-se doutor em Produção Vegetal e, neste mesmo ano, passou no concurso para professor associado da UENF, cargo que ocupou até 2011, quando se tornou professor titular da Universidade. Dentre diversos cargos ocupados, atuou ainda como presidente da extinta Fenorte no período de 2011 a 2013 e presidente da Sociedade Brasileira de Fruticultura de 2014 a 2017.

Veja a entrevista:

Almy (à esquerda), em conversa com o subsecretário de Agricultura Álvaro César. Ao fundo, o professor Mauro Campos, da UENF, que está atuando como consultor.

ASCOM – Qual a importância  para a sociedade de termos um professor/pesquisador da UENF ocupando um posto de governo?

ALMY – Acredito que termos representantes das Universidades de Campos em ações de comando do poder público municipal contribui em muito para o aprimoramento da interação entre o conhecimento desenvolvimento na academia e a prática que vem sendo executada nos diferentes campos de ação do município. No caso da UENF, como a maior instituição científica da região, tenho certeza que, com a presença de um professor /pesquisador, esta interação contribuirá muito para que a troca entre o saber prático e o científico/tecnológico seja a alavanca do desenvolvimento regional. CIÊNCIA é a base fundamental para o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida das pessoas, mas é necessário conhecer bem quem precisa ser atendido.

ASCOM – De que forma a sua experiência como professor e pesquisador poderá ajudar como secretário?

ALMY – Conhecer a Nossa UENF desde a sua criação, notadamente na área na qual o prefeito Wladimir Garotinho pediu a nossa contribuição, aliado ao bom conhecimento que tenho da realidade dos campos de Campos dos Goytacazes, poderá contribuir nos avanços tão necessários para ajudar a tirar o município das péssimas condições em que se encontra. Um município com mais de 4000 km2 de extensão e participação pífia na produção de alimentos é um desperdício gigante para o povo.  De qualquer modo, é importante salientar que, sozinho, ninguém faz nada. É importante estarmos  juntos com os agricultores e saber realmente o que querem e quais as condições necessárias para avançarem.

ASCOM – De que forma sua experiência como secretário poderá ajudar a UENF?

ALMY – Neste momento, sinto que a UENF, com a “expertise” que possui, poderá ajudar muito mais ao município de Campos do que o contrário.  Na verdade, se conseguirmos envolver os profissionais formados pela UENF e seus pesquisadores na construção de um novo modelo de agricultura para a região, estaremos ajudando a Universidade a cumprir o seu papel mais importante, que é contribuir cada vez mais para o desenvolvimento da nossa região.

ASCOM – Como será conciliar as duas funções? Vai precisar se afastar da UENF? 

ALMY – Oficialmente preciso me afastar, sendo cedido pela UENF para atuar na  condição de secretário. Isso só é possível com a Prefeitura assumindo o ônus da minha remuneração junto à UENF. Não me afastarei das ações básicas nas quais já atuo, notadamente no que diz respeito às orientações (extensão, graduação, pós-graduação e pós-doutoramento), na condução dos projetos de pesquisa em andamento e na participação em aulas.

ASCOM – Quais as suas metas à frente da Secretaria de Agricultura?

ALMY – As condições nas quais encontramos o sistema público de agricultura do município são muito ruins, com pouca presença do sistema de produção agrícola na geração de emprego e renda para o povo.  Com o potencial que possui, tudo está muito ruim. O nosso desafio, em conjunto com a sociedade, é construir um novo e sustentável sistema de política agrícola para o município.  A Secretaria de Agricultura praticamente não existe; os orçamentos executados não condizem com o potencial que esta atividade deve representar.  Desde modo, várias são as metas, sabendo que todas as ações têm efeito em médio e longo prazo.  De coisas mais simples, como levar a estrutura física da secretaria para um local mais acessível aos agricultores, a coisas mais complexas, como mudar sistemas de produção que são poucos sustentáveis, do ponto de vista econômico e ecológico, que exige mudança de mentalidade de quem produz, fazem parte das nossas metas.  Ressalto que, para o agricultor de Campos, o maior desafio sempre foi comercializar o que produz, notadamente do pequeno agricultor. Em três frases, podemos dizer que nossas metas são: 1) Ajudar o produtor a regularizar as suas situações fiscais; 2) Estabelecer sistemas de produção de acordo com a aptidão dos agricultores e 3) Montar um sistema de Inspeção e rastreabilidade que permita ao agricultor ampliar a sua capacidade de comercialização.

ASCOM – Como reagiu ao convite para ocupar este posto? Já era esperado? 

ASCOM –  Surpreso e feliz, entendendo que o convite reconhece a nossa luta por uma agricultura de qualidade e que as instituições de pesquisa da região, principalmente a UENF, têm papel fundamental nessa luta.  Este tipo de convite sempre apareceu, mas nunca pude participar. Desta vez, aceitei porque acredito que o prefeito Wladimir e o vice-prefeito Frederico Paes têm a convicção de que a saída do município de Campos dos Goytacazes da situação de penúria em que se encontra passa, obrigatoriamente, pelo campo.

ASCOM – Fale sobre sua trajetória profissional até o momento atual.

ALMY – Um filho de pequeno produtor rural, com atuação sempre em atividades do campo desde a infância, que sempre estudou em escolas com foco no desenvolvimento agrícola, que teve o privilégio de sempre estudar, até o doutorado, em escolas públicas de qualidade e que acredita conhecer a dor e os percalços que um agricultor tem para produzir, comercializar e dar melhores condições de vida a sua família e aos seus colaboradores.

ASCOM – A Secretaria Municipal de Agricultura tem um orçamento de 5,2 milhões para o exercício 2021. Esse valor é suficiente para implementar uma mudança e implantar novos projetos para a agricultura em Campos?

ALMY – Orçamentos públicos estão sempre aquém das necessidades.  Em Campos, para a Agricultura, os orçamentos oficialmente aprovados pelos órgãos competentes, historicamente, não têm sido minimamente executados.  Aliado a isso, temos uma condição muito ruim para as finanças do município neste momento.  De qualquer modo, já estamos atuando e podemos ter muito mais que isso.  Neste primeiro momento, o prefeito Wladimir já conseguiu mais de R$ 11 milhões em emendas, junto ao Ministério da Agricultura, para investirmos e já conseguiu, via Secretaria de Agricultura do Estado do Rio de Janeiro, máquinas e implementos para atuarmos.  Tenho certeza de que muito mais recursos vão aparecer. Mas isso só será importante se tivermos um plano construído coletivamente com os produtores, principalmente entre as associações organizadas (cooperativas, associações do setor, sindicatos) e que este plano seja abraçado pela sociedade e que seja perenizado. Sem isso ficaremos com ações pontuais, que “morrem” muito rapidamente.

ASCOM – Quais são seus planos em relação ao fortalecimento da agricultura familiar?

ALMY – O pequeno produtor, não necessariamente o “agricultor familiar”, sempre precisa de mais apoio do sistema público.  Entretanto, isso só é possível se eles se organizarem.  Em agricultura não sobrevive no sistema quem  não tiver “quantidade, qualidade e continuidade”. Sem isso, sem certificação, sem rastreabilidade,  os agricultores não conseguem acessar os sistemas de comercialização. Nossos pequenos agricultores só conseguirão isso se estiverem organizados em associações, e isso vale tanto para vender quanto para comprar insumos.  Nossos agricultores hoje estão em situação fiscal muito ruim, sem registros, sem possibilidades de emitir uma nota fiscal, sem possibilidades de vender para órgãos públicos como, por exemplo, para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Se alguém ler e ver as determinações da Instrução Normativa nº 02/2018, publicada em conjunto entre a ANVISA e o MAPA, saberá o que estou falando.  A rastreabilidade de alimentos forçará o agricultor e repensar todo o seu sistema de produção.  Não é só colaborar para que os pequenos produzam, precisamos ajudá-los a escoarem melhor a sua produção e isso inclui desde a feira da roça até a montagem de agroindústrias que agregam, e muito, valor à produção agrícola. Temos que convencer os consumidores a priorizarem a aquisição de produtos “locais”, produzidos no nosso entorno.

ASCOM – Que áreas da agricultura você pretende priorizar no inicio de sua gestão?

ALMY – A situação está tão crítica que fica difícil priorizar algo, mas o desafio é o que nos move.  Temos que ouvir, o que já estamos fazendo, os agricultores, os comerciantes de feiras e outros entes envolvidos no desenvolvimento agrícola.  A Secretaria de Agricultura, e acho que poucos sabem, atua em diversos setores, desde colaborar com o plantio, na inspeção e certificação da produção, na manutenção do sistema viário, na responsabilidade pelo sistema de segurança hídrica, na produção pesqueira etc. De maneira prática, com o apoio do MAPA e da Secretaria de Agricultura do Estado do Rio de Janeiro, vamos, o mais rápido possível, cuidar das estradas que atendem aos produtores e que estão em condições de muita precariedade.  Só para terem um ideia, o município de Campos dos Goytacazes possui em torno de 5000 km de estradas sob responsabilidade da Secretaria de Agricultura. Imagine fazer isso tudo e a Secretaria não possuir nenhum agrônomo, veterinário e zootecnista do seu quadro permanente de funcionário.

ASCOM – Existe algum projeto para aproveitar o conhecimento e o desenvolvimento tecnológico, gerados pelas pesquisas realizadas na UENF e na UFRRJ, de maneira que o produtor rural possa ter acesso e se beneficiar?

ALMY –  Existem muitos projetos e ações já desenvolvidas, construídos pelo conjunto de pesquisadores de diferentes instituições em Campos, não só na UENF e na UFRRJ, mas também no IFF, na Pesagro, em instituições particulares do município, que podem ser utilizados. Conhecemos muitos e outros estão sendo apresentados.  Vamos atuar para transformar isso em políticas públicas e para “conectar” o pesquisador  aos produtores. Isso sim pode ser algo que perenize as ações. Para tanto, é fundamental envolver o que temos de melhor, que são os nossos formandos, nos diferentes níveis.  Vamos criar um programa robusto, buscar recursos para viabilizar, que coloquem, efetivamente, os nossos ex-alunos (e também alunos em curso por meio de estágios) em contato direto e em ações de parcerias com o sistema de produção agrícola municipal.  Só acredito em agropecuária forte no município se conseguirmos transformar nossos formandos em profissionais, em empreendedores aqui, no nosso município, na nossa região.

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