Ao proferir a conferência de abertura do XIII Congresso Fluminense de Iniciação Científica e Tecnológica (CONFICT) e VI Congresso Fluminense de Pós-Graduação (CONPG), na tarde de ontem, 22/06/21, a cientista Margareth Dalcolmo, pneumologista e pesquisadora da Fiocruz, disse que o principal desafio da medicina hoje é a Covid “longa”, ou síndrome pós-covid, que inclui sequelas respiratórias, neurológicas, cardiovasculares, vasculares e psiquiátricas.
Margareth iniciou a conferência, intitulada “Covid-19: o que aprendemos e perspectiva para a ciência”, ressaltando a importância dos cuidados não farmacológicos. Ela lembrou que já em 1919, por ocasião da gripe espanhola, um artigo científico publicado na Revista Science mostrava a necessidade de evitar aglomerações.
— Na peste negra do século XIV, tivemos um grande aprendizado sobre isso na Lombardia. Os duques de Milão fizeram um cinturão em torno da cidade. Isso mostra o quanto governantes inteligentes e sensíveis podem ajudar a controlar as epidemias. Medidas não farmacológicas poupam os sistemas de saúde, exatamente o que não aconteceu no Brasil — disse.
A cientista destacou que, em um ano e meio de pandemia, foram produzidos mais de 100 mil artigos científicos sobre a Covid-19. Nos primeiros artigos, procurava-se ainda entender a doença, inicialmente considerada uma pneumonia atípica. Em setembro, a Revista Nature trouxe um artigo definindo a Covid-19 como uma doença sistêmica, tempestuosa, capaz de comprometer toda a microcirculação dos órgaõs e não só os pulmões.
— Nesse momento, havia toda uma tentativa de definir o que fazer, que medicamentos utilizar, e até hoje este continua sendo o grade desafio terapêutico da Covid-19. Até agora o melhor tratamento ainda é para a forma grave, com as boas práticas da terapia intensiva. Hoje basicamente o desafio é ter medicamentos e definir qual o momento em que eles podem ter algum efeito positivo — disse.
Em outro artigo publicado em setembro, foi mostrada a ação das citocinas, o dano na microcirculação, e a Covid-19 foi então definida como uma endotelite, capaz de comprometer a parte mais íntima dos vasos a partir da liberação de citocinas tóxicas.
— A Covid fica então definida, nos seus primeiros nove meses, como uma doença sistêmica, uma doença da microcirculação, do endotélio e de caráter inflamatório profundamente grave — afirmou.
Margareth citou as principais descobertas e aprendizados da ciência neste período. Lembrou, entre outros, do remodelamento de fármacos, em que foram estudados medicamentos como cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina, nitazoxanida e outros. Todos eles se mostraram incapazes de impedir o agravamento da doença.
Antivirais conhecidos foram utilizados e mostraram efeito muito pequeno. Foi criado um novo antiviral, chamado remdesivir, já aprovado para uso clínico no Brasil pela Anvisa, mas ainda não aprovado pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS). O remédio, de alto custo, é recomendado para pacientes graves em terapia intensiva fora de ventilação mecânica.
Segundo Margareth, a otimização e entendimento de que Covid-19 era capaz de causar tromboembolismo levou ao uso de anticoagulantes. Já os antibióticos se mostraram de uso cada vez mais restrito. Ela criticou o uso indiscriminado de azitromicina, que teria contribuído para aumentar a resistência a este antibiótico no Brasil. Já o uso de corticoides, como a dexametazona, se mostrou de grande valia, sendo o primeiro medicamento que, de fato, interviu na Covid-19 e hoje é protocolo em todos os hospitais e terapias intensivas.
— A otimização de conceitos conservadores na ventilação mecânica também foi importante, como a posição prona, ventilação não invasiva com máscaras e o oxigênio por cateter de alto fluxo evitando intubação. Tudo isso foi um aprendizado enorme. Hoje intubamos muito menos do que no inicio da Covid-19. A intubação precoce foi um erro e certamente contribuiu para muitas mortes — afirmou.
Segundo a pesquisadora, o maior feito da ciência neste período foi a produção de uma grande quantidade de vacinas em menos de um ano. Ela ressaltou que existem hoje, em todo o mundo, 88 ensaios clínicos de vacinas contra a Covid-19. A capacidade de comercialização das vacinas hoje aprovadas e disponíveis é de 3 bilhões de doses até o final deste ano.
— Somos 8 bilhoes de habitantes no mundo. Então, não haverá vacinas para todo mundo em 2021 — disse.
Segundo a cientista, o que é mais estratégico hoje, em termos científicos, são os estudos de vigilância epidemiológica e de vigilância genômica. Segundo ela, existem dois tipos de variantes do vírus, chamadas variantes de alerta e variantes de preocupação. Em todo o mundo, foram identificadas quatro variantes de preocupação. A variante P1, descoberta no Japão a partir de uma família que veio a Manaus, é a que predomina no Brasil.
A conferência de abertura foi mediada pelo professor Milton Kanashiro (CBB/UENF). O XIII CONFICT e VI CONPG é realizado conjuntamente pela UENF, IFF e UFF através da Plataforma Zoom-Galoá. Saiba mais no site do evento.
Nesta quarta, 23/06/21, a palestra é com a professora Suzana Kahn Ribeiro (COPPE/UFRJ). Ela vai abordar, a partir das 16h30, o tema “Mudança climática como estratégia de retomada de crescimento no pós-Covid”. Veja o currículo da professora aqui.