Após 14 anos de pesquisas, cientistas desenvolvem variedade de maracujá resistente ao vírus que dizimou plantações na década de 2000

Dos laboratórios da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), surge uma esperança para a retomada da produtividade do maracujá no Norte e Noroeste Fluminense. Após 14 anos de pesquisas, a primeira variedade de maracujá resistente ao vírus Cowpea aphid-borne mosaic virus (CABMV) — que desde os anos 2000 vêm dizimando as lavouras na região — está prestes a ser registrada no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
A nova variedade foi obtida após vários ciclos de seleção genética, a partir do trabalho de doutorandos, mestrandos e bolsistas de Iniciação Científica, sob orientação do professor Alexandre Pio Viana, do Laboratório de Melhoramento Genético Vegetal do Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias da UENF (LMGV/CCTA), com apoio financeiro da Faperj.
— Já abrimos o processo no Mapa e iniciamos o experimento chamado Ensaio de Valor de Cultivo e Uso (EVCU), que é exigido para que possamos registrar a nova variedade. Até o início do próximo ano devemos terminar o experimento e, logo em seguida, vamos notificar o Mapa. Acredito que em seis ou, no máximo, dez meses, o Ministério já terá autorizado o registro — diz o professor.
Vírus que ataca maracujazeiros é transmitido por ‘pulgões’
A virose do endurecimento dos frutos é a doença viral mais importante do maracujazeiro-azedo. Ela é causada pelo vírus Cowpea aphidborne mosaic virus (CABMV), pertencente a um dos principais gêneros que infectam plantas. O vírus é transmitido por diversas espécies de afídeos (Hemiptera: Aphididae) — popularmente conhecidos como “pulgões” — durante picadas de prova.
Viana explica que os pulgões costumam picar as plantas para ingerir a seiva, onde se encontram os açúcares. Eles provam da seiva de várias plantas, mas só se fixam naquelas que eles gostam. As picadas de prova são as várias tentativas que esses insetos fazem até encontrar a seiva adequada.
— A transmissão do vírus acaba sendo mais agressiva no caso do maracujazeiro-azedo porque o afídio não gosta de sua seiva. Então ele vai picando várias plantas sem se fixar em nenhuma delas. E, com isso, vai disseminando rapidamente o vírus — explica.
Queda drástica na produção ocorreu entre 2000 e 2007
Com o advento do Programa Frutificar, no início dos anos 2000, o Norte Fluminense chegou a ter mais de 2 mil hectares de maracujá, mas depois que a virose chegou à região, a produção reduziu drasticamente. De um total de 15,7 mil toneladas em 2000, a produção caiu para 3,2 toneladas em 2007. Hoje, o cultivo abrange menos de 100 hectares, basicamente no município de São Francisco de Itabapoana, no Norte Fluminense.

Segundo o professor, várias medidas de controle e manejo já foram adotadas no Brasil, sem sucesso. Por este motivo, o desenvolvimento de cultivares resistentes ao CABMV passou a ser considerado uma estratégia promissora e viável. Nos últimos anos, tem aumentado a pesquisa visando o desenvolvimento de cultivares com bom potencial agronômico e resistentes ou tolerantes ao vírus.
— Um dos principais desafios dos programas de melhoramento é a produção de frutas frescas para o mercado com bom desempenho agronômico e resistência a doenças — diz, lembrando que o uso de cultivares resistentes, associado a outras técnicas de manejo integrado, é uma das medidas mais eficazes de controle das doenças, sendo uma estratégica prática e econômica para a redução das perdas causadas, além de reduzir a aplicação de defensivos agrícolas.
Variedade resistente é fruto do cruzamento com espécie silvestre
Os cientistas foram buscar na natureza espécies resistentes à virose. Para chegar à variedade resistente ao vírus CABMV, os pesquisadores da UENF cruzaram a variedade de maracujá já existente na Universidade e espécies silvestres do gênero Passiflora, reconhecidamente resistentes à virose.
— A gente já tinha uma variedade de maracujá azedo que desenvolvemos na UENF, adaptada à região. E existe uma espécie, a Passiflora Setacea, que é naturalmente resistente ao vírus. Então resolvemos fazer o cruzamento entre as duas — diz o professor.
Mas isso não é o bastante, uma vez que, além de resistente ao vírus, o fruto precisa ter valor de mercado. E isso inclui características como tamanho, cor, quantidade etc. É por este motivo que o desenvolvimento da cultivar é um trabalho demorado, de mais de uma década.

— Nosso grande desafio era conciliar a resistência ao vírus e produzir um fruto dentro do padrão comercial. Senão ninguém vai querer comprar. Então a gente faz a seleção de plantas com resistência mas também olha a parte agronômica, ou seja, o tamanho do fruto, a qualidade do suco etc. Tudo isso a gente vai medindo, ao longo de várias gerações de avaliações, até chegar a uma variedade que tenhas as características ideais — explica Viana.
O pesquisador acredita que, com a nova variedade, o Norte e Noroeste poderão reincrementar a produção de maracujá, com grandes benefícios para os pequenos produtores regionais. Ele observa que, antes da virose aparecer, o plantio do maracujá era feito em praticamente toda a região Norte e Noroeste Fluminense.
— Acredito que devemos retomar essa produção porque a região continua com o mesmo potencial de produção, que é a temperatura alta. O maracujá é uma espécie tropical. Ela exige temperaturas altas e pelo menos 11 horas de luz para florescer. Então aqui se produz o ano todo, o que não acontece em regiões de clima mais frio, quando a produção fica inviável no inverno — comenta.
Além da participação de mestrandos e doutorandos, o programa de melhoramento do maracujá tem também a participação de estudantes de Iniciação Científica dos cursos de Ciências Biológicas e Agronomia da UENF. Para o próximo ano, também serão disponibilizadas bolsas de Iniciação Científica do CNPq através do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Fruticultura Tropical (INCT-FRUT), que abrange a UENF e outras três universidades (Vale do São Francisco – Univasf; Estadual de Montes Claros – Unimontes; e Federal de Viçosa – UFV).
Saiba mais sobre o INCT-FRUT AQUI.
Pesquisadora que iniciou a pesquisa hoje é professora da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat)
Hoje professora da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), Eileen Azevedo Santos foi a primeira pesquisadora a trabalhar com o melhoramento do maracujazeiro-azedo junto ao professor Alexandre Pio Viana. O ano era 2010, e Eileen era mestranda da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), na Bahia, quando conheceu o professor, que passou a ser seu co-orientador em estudos com espécies silvestres de Passiflora voltadas ao melhoramento ornamental.
— Essa parceria despertou meu interesse em aprofundar os estudos na área e me motivou a ingressar no doutorado em Genética e Melhoramento de Plantas na UENF — conta.
Ela lembra que, ao chegar à UENF, o professor Alexandre já conduzia um programa de melhoramento do maracujazeiro-azedo (Passiflora edulis), uma cultura de grande importância econômica, mas que enfrentava sérios desafios devido à alta suscetibilidade à virose do endurecimento dos frutos, causada pelo Cowpea aphid-borne mosaic virus (CABMV).
— Essa doença comprometia severamente os pomares, que dificilmente ultrapassavam dois anos de produção, inviabilizando avaliações de campo e a continuidade do programa — lembra.

Segundo Eileen, o professor Alexandre apresentou a situação e a incentivou a buscar alternativas. Ela conta que, por já ter experiência com espécies silvestres de Passiflora, sabia que algumas delas eram naturalmente resistentes ao vírus e compatíveis com o maracujazeiro-azedo. Assim, foram iniciados os cruzamentos interespecíficos entre P. edulis (espécie comercial) e Passiflora setacea (espécie silvestre resistente), com o objetivo de desenvolver uma população segregante com resistência ao CABMV.
— Essa população foi avaliada quanto a características morfoagronômicas e de resistência, permitindo a seleção de plantas promissoras para futuras recombinações e continuidade do programa. O objetivo era estabelecer uma população base resistente ao vírus, que pudesse dar origem, no futuro, a uma variedade resistente — explica.
Eileen diz que se sente extremamente gratificada ao saber que o programa de melhoramento seguiu avançando e alcançou seu objetivo, com a obtenção de uma variedade resistente ao vírus.
— Todo melhorista sonha em ver o resultado de suas pesquisas se transformar em uma cultivar registrada e disponível aos produtores, capaz de reduzir perdas e aumentar a produtividade. e promover o desenvolvimento do setor — afirma.
Segundo a pesquisadora, mais do que um resultado científico, esse avanço representa o propósito do trabalho dos melhoristas: oferecer soluções práticas e sustentáveis para a agricultura.
— Fazer parte dessa história, desde as primeiras etapas até o alcance desse resultado, me enche de orgulho e reforça o propósito de continuar trabalhando pela inovação e sustentabilidade no melhoramento de fruteiras tropicais. O trabalho reflete o compromisso da universidade em gerar conhecimento científico aplicado, capaz de impulsionar a agricultura sustentável e fortalecer a fruticultura nacional — conclui.
(Jornalista: Fúlvia D’Alessandri – ASCOM/UENF)



