
Os danos sofridos pela Mata Atlântica começaram logo após a chegada dos colonizadores europeus nas Américas, há mais de 500 anos. Estudo publicado em fevereiro de 2025 pela revista científica britânica Nature Sustainability indicou mais de 14 mil polígonos de desmatamento entre os anos de 2010 e 2020 —186.289 hectares desmatados — o que equivale a uma área com cerca de 200 mil campos de futebol.
Diante de um cenário de degradação natural preocupante, pesquisas da UENF buscam viabilizar a produção de mudas de espécies arbóreas da Mata Atlântica ameaçadas de extinção. O objetivo é a produção destas mudas e a sua aplicação na recuperação ambiental.
O setor responsável é o de Biotecnologia Vegetal, do Laboratório de Biologia Celular e Tecidual (LBCT) do Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB).
Espécies arbóreas da Mata Atlântica ameaçadas de extinção como o cedro rosa (Cedrela fissilis), jacarandá da bahia (Dalbergia nigra), jequitibá rosa (Cariniana legalis) e pau-brasil (Paubrasilia enchinata) fazem parte das pesquisas de propagação in vitro (em laboratório) desenvolvidos na UENF.
A professora Claudete Santa Catarina, responsável pelo Setor de Biotecnologia Vegetal, explica que os estudos com estas espécies iniciaram no ano de 2009 com o cedro rosa, seguido do jequitibá, jacarandá da bahia e, recentemente, também com o pau-brasil, assim como outras espécies ameaçadas de extinção da Mata Atlântica.
Desafios na propagação de espécies arbóreas

A pesquisadora conta que trabalhar com arbóreas não é tarefa fácil. Naturalmente estas espécies apresentam dificuldades de resposta por serem de ciclo de crescimento longo na natureza, muitas iniciando a produção de sementes após 10 anos de idade.
Além disso, como as espécies arbóreas foram muito exploradas para obtenção de madeira e outros produtos, houve uma redução significativa do número de plantas na natureza. Isso ocasionou a escassez de sementes, tornando as pesquisas de reprodução em laboratório ainda mais desafiadoras.
Somado a estes fatores, as espécies arbóreas ainda têm dificuldades de propagação por métodos convencionais — por estaquia ou por sementes. As estacas apresentam dificuldade de enraizar, enquanto as sementes perdem a viabilidade após pouco tempo de armazenamento.
— No caso do pau-brasil, por exemplo, a semente perde a viabilidade quando armazenada por 30 dias na geladeira (4 ºC). Isso reduz drasticamente a germinação da planta. Na natureza, a abertura das vagens para liberar as sementes desta planta é intensificada em dias ensolarados. Para ocorrer a germinação da semente, é necessária pouca umidade. O orvalho de uma noite, por exemplo, já estimula o processo — explica Claudete.
Apesar de todos estes desafios, a equipe do LBCT têm estado à frente com pesquisas inéditas sobre as espécies arbóreas, realizadas por alunos de graduação e
pós-graduação, ao longo dos últimos 15 anos.
Neste tempo, está sendo possível a produção de mudas de cedro rosa, jequitibá, jacarandá da bahia e, recentemente, de pau-brasil, utilizando metodologias alternativas, como o uso da cultura in vitro, uma técnica biotecnológica.
Dentre as espécies arbóreas estudadas, o jequitibá é considerado pelos cientistas uma das espécies mais difíceis de sucesso nas diferentes etapas da produção de mudas in vitro, especialmente na indução do enraizamento das brotações. O tempo necessário para a realização de todas as etapas do processo, até a chegada ao campo, é de aproximadamente um ano — o que não é considerado rápido.
Os estudos com espécies arbóreas e metodologias alternativas de propagação vem sendo consolidado pelo grupo, que já levou mudas para o campo em vários locais para a efetivação desta restauração ambiental.
— Para levar as mudas para o campo, nosso grupo tem atuado em parceria com outros professores aqui da UENF. Em 2012/2013, realizamos um plantio na Reserva Biológica União (Rebio), localizada em áreas dos municípios de Rio das Ostras, Casimiro de Abreu e Macaé – RJ, em colaboração com o professor Marcelo Trindade (LCA/CBB/UENF). Lá contribuímos para o estabelecimento de corredores ecológicos que ligam dois remanescentes da Mata Atlântica — conta a professora.

Formas de propagação in vitro a partir do pau-brasil
Com cada espécie de arbórea, os pesquisadores buscam desenvolver uma metodologia de propagação alternativa à convencional (semente ou estaquia), utilizando a produção de mudas pela cultura in vitro no laboratório.
Em relação à arbórea da espécie pau-brasil, por exemplo, a equipe trabalha a partir de duas vertentes na propagação in vitro: uma é a partir da embriogênese somática, que resulta na produção de embriões somáticos em laboratório; e a outra é a partir da micropropagação, que resulta na formação de brotações e seu posterior enraizamento, formando novas mudas.
Na embriogênese somática os embriões são produzidos de uma forma diferente da embriogênese zigótica, que acontece na natureza através da fecundação.
— A partir de células somáticas já diferenciadas, nós promovemos o desenvolvimento desses embriões somáticos. No caso do pau-brasil, usamos a própria semente colhida da planta e isolamos o embrião zigótico, que está em desenvolvimento na natureza. Este embrião zigótico tem células somáticas (2n) que, sob estímulos específicos oferecidos na cultura in vitro, começam a se dividir e se organizar, possibilitando o desenvolvimento dos embriões somáticos. E esse embrião somático, que não passou pela fecundação como o embrião
zigótico, irá germinar e formar uma planta completa. Esse processo ocorre devido à totipotência das células vegetais presentes no embrião zigótico, ou seja, à capacidade genética dessas células de originar uma planta completa, permitindo assim a obtenção de mudas por meio da embriogênese somática — explica a professora Claudete.
Já na outra forma de propagação do pau-brasil, os cientistas inicialmente germinam as sementes em um vidro (in vitro). Em seguida, estimulam o desenvolvimento de brotações a partir de segmentos nodais obtidos da plântula germinada in vitro. Estas brotações — correspondentes à miniestaca obtida do galho de uma árvore na metodologia convencional — são enraizadas para formar uma nova muda. Esta muda é transferida do laboratório para a casa de vegetação, recebendo cuidados diários até o tamanho e momento ideal para plantio no campo.
— Estes dois processos morfológicos realizados na cultura in vitro são distintos, uma vez que na embriogênese somática obtemos embriões somáticos que, ao germinarem, formam uma planta completa. Quando realizamos a produção de mudas utilizando brotações in vitro, primeiro é necessário induzir o desenvolvimento destas brotações e em seguida, induzir o seu enraizamento, para que possamos ter a muda completa — pontua a professora.
A única arbórea que o grupo trabalha com as duas vertentes de propagação in vitro é o pau-brasil, porque na região Noroeste do estado do Rio de Janeiro é possível coletar o embrião zigótico ainda em desenvolvimento com maior facilidade comparativamente às demais espécies.
— Se eu pegar a semente desenvolvida e já dispersa pela planta, ela não tem uma boa resposta na indução da embriogênese somática — completa a Claudete.
Desta forma, o grupo já está conseguindo bons resultados com as primeiras mudas micropropagadas obtidas a partir do desenvolvimento de brotações em laboratório já plantadas para fins estratégicos.

Preservação de espécies para conservação de recursos genéticos
A imensa diversidade de plantas existente no planeta, especialmente nas florestas tropicais, representa uma fonte valiosa de recursos para a humanidade. Além da produção de madeira e outros bens econômicos, muitas dessas espécies vegetais produzem compostos bioativos com alto potencial medicinal.
A professora Claudete ressalta que conservar as espécies arbóreas dos diversos biomas brasileiros — como a Amazônia, a Mata Atlântica e a Caatinga, bem como ecossistemas ainda mais regionalizados — é essencial não apenas para preservar a biodiversidade, mas também para garantir o acesso aos recursos genéticos que podem contribuir para o desenvolvimento de novos biofármacos.
— Ao proteger os remanescentes florestais, asseguramos a possibilidade de descobrir, no futuro, princípios ativos que podem ser fundamentais para o tratamento e a cura de doenças que ainda não conhecemos — afirma.
— Na cidade de Campos dos Goytacazes (RJ) existem espécies mais restritas às regiões norte fluminense e sul capixaba da Mata Atlântica, como a peroba-do-campo. A obtenção de sementes desta espécie só pode ser feita coletando em plantas nos remanescentes florestais localizados nestas regiões. Um estudo que fizemos verificou que só 30% das sementes são viáveis, impactando diretamente na sua conservação — conta a professora.
Segundo Claudete, em um lote com mil sementes coletadas, cerca de 300 apresentam embrião viável e conseguem germinar. Isso ocorre porque esta espécie depende de fecundação cruzada, porém a grande distância entre as árvores-matrizes dificulta a polinização eficiente.
Em alguns casos, há escassez de polinizadores; em outros, faltam indivíduos geneticamente compatíveis nas proximidades para favorecer a fecundação. Essa limitação compromete diretamente a produção de sementes viáveis, impactando tanto os métodos convencionais de propagação quanto estratégias alternativas de conservação.
— Diante desse cenário, surge uma preocupação legítima: até que ponto essas espécies conseguirão se manter em seus habitats naturais ou se caminham, silenciosamente, para a extinção — questiona a professora.
Metodologias Alternativas
Claudete reforça que, como as espécies arbóreas já apresentam desafios para sua conservação, se não houver investimento em metodologias biotecnológicas alternativas há o risco de se perder uma riqueza biológica que representa não apenas o Brasil, mas também o patrimônio natural global. Dentre tais metodologias, ela destaca a cultura in vitro, que permite a multiplicação de mudas a partir de uma única semente, bem como a criopreservação de sementes, que permite conservar aquelas que não conseguem manter a viabilidade em câmaras frias (12ºC) ou em geladeiras ( 4ºC).
— Cada espécie ameaçada de extinção representa uma perda incalculável para a história do país, para a ciência e para a biodiversidade do planeta. Embora o foco aqui seja o Brasil, outros países também enfrentam desafios semelhantes, com listas crescentes de espécies ameaçadas — ressalta.
Banco de Sementes de espécies arbóreas
Diante das limitações que os métodos convencionais de armazenamento de sementes de espécies arbóreas têm apresentado, novas abordagens para sua conservação têm sido desenvolvidas pela equipe da UENF, como técnicas de preservação de material biológico por congelamento.
Ela informa que está sendo implantada uma coleção biológica, o banco de sementes de espécies arbóreas “Colecionando a Vida” (https://colecionandoavida.wordpress.com/), com acesso a um banco de dados (https://colecionandoavida.web.app/) no qual são realizadas pesquisas para estabelecer o melhor método de conservação para cada tipo de espécie arbórea.
— Muitas destas espécies não possuem uma metodologia ideal caracterizada para a conservação das sementes por períodos prolongados. Consequentemente, as sementes quando coletadas, seja por empresas da área ou por grupos de pesquisa, são armazenadas entre 4 a 14ºC, resultando em perdas significativas do potencial de germinação em poucos meses de armazenamento. As pesquisas buscam garantir a preservação do material genético e a manutenção das espécies a longo prazo, mesmo em contextos de risco ambiental crescente — afirma Claudete.
Novos estudos em espécie que produz canabidiol
Uma espécie arbórea da região de Minas Gerais, a Trema micrantha, é também novo objeto de estudo da equipe do Setor de Biotecnologia vegetal. Uma das curiosidades desta árvore é que ela produz o canabidiol (também conhecido pela sigla CDB), presente na planta Cannabis, e que tem sido usado para o tratamento de diversos tipos de doenças em humanos. O diferencial da Trema micrantha é que ela não produz o THC (ou tetra-hidrocarbinol), capaz de produzir efeitos alucinógenos, como acontece com a Cannabis.
— Estamos estudando esta espécie na cultura in vitro, tentando germinar a semente, o que é um desafio muito grande, pelo fato de ela apresentar baixa germinação. E a gente está buscando entender se é uma dormência tegumentar, que é do envoltório, ou se é uma dormência fisiológica, dentro da semente. Pretendemos estabelecer a propagação desta espécie in vitro buscando identificar e estimular a produção de canabidiol a partir da cultura de células em laboratório. Não é tão simples montar esse processo, mas é possível e já foi estabelecido para outras plantas — sinaliza a professora.
Do laboratório para o campo
Pesquisadores da UENF fazem primeiro plantio de muda de pau-brasil produzido in vitro

A primeira muda de pau-brasil produzida por técnica biotecnológica no Estado do Rio de Janeiro foi plantada no final de 2024 em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), em Itaocara/RJ. Isso só foi possível graças ao sucesso das pesquisas que visam recuperar espécies em risco de extinção da Mata Atlântica, que vêm sendo realizadas por pesquisadores do Laboratório de Biologia Celular e Tecidual (LBCT) do Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB).
Segundo a professora Claudete Santa Catarina, responsável pelo Setor de Biotecnologia Vegetal, esta é uma conquista importante para a espécie, pois contribuirá para futuros estudos de conservação no seu local de ocorrência natural, que é o campo.
O plantio foi feito através do projeto de extensão “Trilha Biotecnológica”, que tem financiamento da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários da UENF (PROEX) e é coordenado pelo professor Vanildo Silveira (LBT/CBB/UENF). O projeto, desenvolvido em Itaocara, é administrado pelo pesquisador Anselmo Domingos Biasse, pós-doutorando da UENF e diretor do Instituto Biasse Socioambiental.
— Neste local foram plantadas mudas de cedro rosa, jequitibá, jacarandá da bahia e também de pau-brasil produzidas na UENF pela cultura in vitro, para que estas, daqui a alguns anos, se tornem grande árvores – explica Claudete.
Espaço de Educação Ambiental
A Trilha Biotecnológica foca na educação ambiental, divulgação da biotecnologia vegetal junto às escolas do ensino básico – auxiliando, ainda, na creditação de atividades de extensão de alunos do ensino superior, especialmente do CEDERJ/UENF – além de acompanhar e estudar o crescimento das plantas ao longo do tempo.
— Nós levamos para o local as mudas e estamos realizando estudos comparando como essas plantas crescem no campo sendo produzidas por métodos convencionais (por sementes) e por métodos biotecnológicos (pela cultura in vitro) – explica a professora Claudete, pontuando que o estudo com este tipo de abordagem comparativa é inovador no Estado.
A professora reforça que os desafios são muitos para que as sementes cheguem ao laboratório — por causa da ameaça de extinção das espécies e dificuldades de coleta —, mas também existem os desafios encontrados no laboratório e para além dele, como no campo, para onde são levadas as mudas.
— No campo as adversidades são outras, já que o interior do estado Rio de Janeiro é uma região de períodos de seca, períodos de chuva e necessidade de controle de insetos. As mudas crescem na UENF em casa de vegetação com cuidados diários de rega até que tenham tamanho ideal para serem levadas a campo. O plantio no campo é realizado no início da estação chuvosa para que as mudas consigam sobreviver às condições adversas — diz a professora.
(Jornalista: Thábata Ferreira – Fotos: Cassiane Falcão – ASCOM/UENF)