Doutor em Ciências Naturais pela UENF, Luiz Fernando Rosa Mendes fala sobre a crise energética brasileira
Em apenas 20 anos, o Brasil vive sua terceira crise hídrica, com sérios impactos na produção e distribuição de energia elétrica. Para o doutor em Ciências Naturais pela UENF e professor do IFF Luiz Fernando Rosa Mendes, o que está faltando ao País são “políticas públicas fortes e bem definidas” para resolver questões como o desmatamento, reflorestamento, gestão de recursos hídricos e maior incorporação de outras fontes renováveis na matriz elétrica brasileira.
Nesta entrevista à Assessoria de Comunicação da UENF (ASCOM), ele faz uma análise da postura do governo brasileiro frente às mudanças climáticas globais, de negacionismo e embate com a ciência. “O governo vem tentando descreditar pesquisadores e instituições científicas com vasto conhecimento e renome internacional no campo das mudanças do clima e monitoramento da Amazônia, desmobilizando órgãos de proteção e controle ambiental e expandindo as fronteiras agropecuárias e de exploração de metais nobres na floresta Amazônica” afirma.
Segundo o professor, a política ambiental brasileira, dissonante do restante do planeta, tem sido fraca e ineficaz, ocasionando, muitas vezes, verdadeiras tragédias. “Infelizmente, o país está perdendo a oportunidade de ser um protagonista nas discussões e soluções para o enfrentamento das mudanças do clima e ainda pode estar prejudicando ainda mais a nossa economia a longo prazo”, diz.
Confira a entrevista:
ASCOM / UENF – O Brasil tem vivido sucessivas crises hídricas que comprometem a produção de energia elétrica. Neste momento, mais uma vez há o risco de desabastecimento por conta da escassez de chuvas. O que precisa ser feito para evitar definitivamente este problema?
LUIZ – Se observamos as duas últimas décadas, já estamos na terceira crise hídrica, o que afeta fortemente a produção de energia elétrica brasileira. A primeira crise ocorreu entre os anos 2000 e 2001 e a segunda, entre os anos 2013 e 2015. E agora estamos vivendo mais uma.
Vários fatores como meteorológicos, climáticos e de gestão, tanto das águas quanto do planejamento energético, fizeram e fazem com que as crises se tornem cíclicas, promovendo um aumento no uso das usinas termoelétricas por combustíveis fósseis, com custo marginal de operação elevado e maior emissão de gases de efeito estufa, gases esses que prejudicam ainda mais o ambiente. Eu defini esse processo em um artigo publicado com o professor Marcelo Sthel em 2017 como um ciclo energético vicioso.
Mas, voltando à pergunta, eu acredito que o país precisa de políticas públicas fortes e bem definidas quanto ao combate ao desmatamento, ao reflorestamento, à gestão dos recursos hídricos e maior incorporação das outras fontes renováveis dentro da matriz elétrica, tais como a eólica onshore e offshore, a solar e a biomassa, tornando-a mais homogênea, pois ela já é diversificada.
ASCOM / UENF – A produção de energia está diretamente ligada aos impactos ambientais. É cabível pensar em um mundo onde seja possível conciliar o uso de energia em grande escala e a conservação do meio ambiente?
LUIZ – Bem, esse é o próximo desafio para humanidade e que já bate a nossa porta. Desde a 1ª Revolução Industrial, a nossa sociedade foi moldada pelo uso intensivo de energia e tornou-se altamente dependente, principalmente, das fontes energéticas não renováveis, tais como o petróleo e o carvão. A “conta” está chegando agora para nós. Entretanto, precisamos ser otimistas, mas sem romantismo. Sei da gigantesca dificuldade para uma cooperação em escala global no enfrentamento do problema, haja vista os esforços despendidos nas conferências do clima, mas não podemos ficar parados.
Acredito que é possível pensarmos numa relação mais harmoniosa entre a sociedade, o uso da energia e o ambiente, desde que mudemos o paradigma em escala global no que diz respeito à busca por um (des)envolvimento sustentável para uma busca por regeneração ecológica, principalmente capitaneada pelos governos.
Sei que esse problema diz respeito a toda a humanidade, todavia são os governantes, representantes do povo, os principais tomadores de decisão. Nesse sentido, eles precisam se desvencilhar de um modelo econômico do século passado e falido do ponto de vista ambiental e entender que não é mais cabível, dentro do cenário mundial, a busca desenfreada por um crescimento econômico, tendo como mantra o crescimento PIB para o sucesso de uma sociedade.
Então, observo que é possível diminuirmos os impactos ao ambiente quanto ao uso de energia desde que haja, gradativamente, um abandono das fontes não renováveis, maiores investimentos em fontes renováveis de energia e eficiência energética, um planejamento sério e robusto em mobilidade urbana nas grandes cidades e claro, tudo isso balizado pela melhora na qualidade da educação, investimentos em pesquisa científica e diminuição das desigualdades sociais.
ASCOM / UENF – O Brasil se comprometeu internacionalmente a diminuir a emissão de gases do efeito estufa, mas não vem cumprindo seu papel. Como você avalia essa questão?
LUIZ – Como comentei na questão anterior, os governos têm um papel imprescindível na tomada de decisões e busca por soluções para o enfrentamento às mudanças climáticas. O governo brasileiro assinou o Acordo de Paris, comprometendo-se a contribuir para a redução do “aquecimento global”, de acordo com o intended Nationally Determined Contribution (iNDC), sendo o mesmo ratificado em 2016, por meio do Congresso Nacional. No iNDC, o país pactuou: o uso sustentável da bioenergia; medidas em grande escala no setor de uso da terra e proteção das florestas; e maior participação de fontes de energia sem emissão ou com baixo nível de emissões de carbono. Em relação à geração de energia elétrica, o Brasil se dispôs a ampliar o uso das fontes renováveis, além da energia hídrica, a eólica, biomassa e a solar.
Em oposição ao acordo firmado em Paris 2015, o atual governo brasileiro vem se colocando em uma postura negacionista frente às mudanças climáticas globais, numa posição de embate com a ciência brasileira O governo vem tentando descreditar pesquisadores e instituições científicas com vasto conhecimento e renome internacional no campo das mudanças do clima e monitoramento da Amazônia, desmobilizando órgãos de proteção e controle ambiental e expandindo as fronteiras agropecuárias e de exploração de metais nobres na floresta Amazônica.
Entretanto, no dia 09 de agosto de 2021, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas publicou a 1ª parte do 6º Relatório do Clima (Climate Change 2021: The Physical Science Basis). O relatório traz as seguintes considerações: 1) a influência antrópica no aquecimento médio do planeta é inequívoca e inquestionável; 2) as mudanças recentes no clima não têm precedentes da humanidade; 3) todas as regiões do planeta já são afetadas por eventos extremos; 4) a temperatura média do planeta vai continuar a subir e; 5) o aquecimento médio de 1,5°C a 2°C será ultrapassado ainda neste século. Mas o relatório também aponta que ainda podemos limitar as mudanças climáticas, desde que haja fortes reduções nas emissões de dióxido de carbono (CO2).
Mas observem a contradição posta para o setor do agronegócio brasileiro diante do exposto no relatório: o governo se omite em relação à expansão da fronteira do agronegócio em direção à Amazônia e às queimadas na região Norte e Centro-Oeste. Isso por sua vez, está impactando o ciclo hidrológico do país. A alteração do regime de chuvas implicará em maiores secas, prejudicando o próprio agronegócio. Segundo pesquisadores da EMBRAPA, o prejuízo anual pode ser de R$ 11 bilhões devido aos eventos extremos.
Portanto, avalio que, em relação ao enfrentamento das mudanças climáticas, a política ambiental brasileira é fraca, ineficaz, ocasionando, muitas vezes, verdadeiras tragédias, estando em total dissonância com o mundo. Infelizmente, o país está perdendo a oportunidade de ser um protagonista nas discussões e soluções para o enfrentamento das mudanças do clima e ainda pode estar aprofundando ainda mais a nossa economia a longo prazo.
ASCOM/UENF – O município de Campos e região Norte Fluminense têm grande potencialidade de produção de energia renovável, como eólica e solar. O que está faltando para que isso se torne uma realidade?
LUIZ – Bom, eu gosto da frase do sociólogo alemão Ulrich Beck, que diz: “Pensar globalmente, agir localmente”. Assim devemos agir sobre as questões que impactam diretamente o local em que vivemos e criamos a nossa família.
Nesse sentido, vejo que, do ponto de vista energético, a nossa região está ainda fortemente atrelada à exploração e produção de petróleo e gás natural, tendo em vista a facilidade logística dessas fontes primárias para usinas termoelétricas instaladas no nosso estado.
Com a construção das duas usinas termoelétricas no Porto do Açu com potência total de 3,1 Gigawatts (GW), futuramente tornando-se a maior usina termoelétrica da América Latina, e com a nova Lei do Gás, a região Norte Fluminense se consolidará ainda mais como um grande polo de produção termoelétrica, tendo em vista a projeção de mais 10 usinas térmicas até 2035, principalmente no município de Macaé. Evidentemente, essa expansão termoelétrica na região trará benefícios econômicos, porém e os impactos ambientais? Contudo, em minha tese de doutorado realizada em 2019, pude constatar que o município de Campos dos Goytacazes tem um grande potencial para produção de energia solar e eólica, o que pode ser extrapolado para a região Norte Fluminense.
Em relação à energia solar em nossa região, já podemos observar um crescimento considerável no número de instalações de sistemas solar fotovoltaicos por meio da geração distribuída, principalmente em residências e comércios, uma vez que estamos, desde o ano de 2013, com aumentos sucessivos nas tarifas de energia elétrica em virtude das recentes crises hidroenergéticas. Mas, para além disso, o município de Campos dos Goytacazes, por exemplo, tem uma considerável irradiação solar média anual no valor de 5,25kWh/m².dia, sendo que a média anual brasileira varia entre 4,5 a 6,5kWh/m².dia. No que diz respeito a sistemas de energia solar fotovoltaica de médio porte até 1 Megawatt (MW), o município conta ainda com o relevo e quantidade de área favorável, principalmente na região da Baixada Campista, e infraestrutura de rede de distribuição da concessionária para conexão dos sistemas.
Observando a energia eólica, no município de São Francisco do Itabapoana já existe uma usina eólica de 17 MW. Isso porque o litoral da região Norte Fluminense tem considerável potencial eólico, como apontam estudos e mapas eólicos do estado do Rio de Janeiro e do Brasil. Pelo mapa eólico do estadual, a região Norte é a melhor área para implantação de empreendimentos eólicos onshore.
Recentemente, foram protocolados e ainda constam em análise os pedidos de licença prévia junto ao IBAMA de quatro projetos de implantação de usinas eólicas offshore no litoral do estado do Rio de Janeiro totalizando 14,66GW, sendo eles: Maravilha com potência de 3GW; Aracatu com 3,84GW; Ventos do Atlântico com 5GW e; Ventos Fluminenses com 2,82GW. Esse potencial eólico offshore no estado do Rio de Janeiro foi evidenciado em 2020 pela Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE) em estudo preliminar sobre o assunto intitulado “Roadmap Eólica Offshore Brasil” de energia eólica offshore no Brasil desenvolvido pela Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE) e em estudo desenvolvido nesse ano pelos pesquisadores Amanda Vinhoza e Roberto Schaeffer ambos da COPPE/UFRJ.
Outro estudo de viabilidade em curso e com Memorando de Entendimentos (MOU) assinado pelas empresas Fortescue Future Industries Pty Ltd (FFI), subsidiária da Fortescue Metals Group Ltd (Fortescue), e a Porto do Açu Operações S.A. (Porto do Açu), uma subsidiária da Prumo Logística SA (Prumo), diz respeito a instalação, no Porto do Açu, de planta de produção de “hidrogênio verde” com potência de 300MW e capacidade de produzir 250 mil toneladas de “amônia verde” por ano a partir de energia eólica offshore e solar.
Além dos potenciais de energias solar e eólica, podemos ainda citar o potencial a ser explorado a partir da geração de energia por biomassa, uma vez que, nossa região tem um segmento agropecuário forte.
Desta maneira, respondendo à pergunta, nossa região está começando a vislumbrar uma economia para além do petróleo e isso é um processo gradativo. Acredito que ainda falta para a maior produção de energia renovável na região é o engajamento dos poderes públicos (municipal e estadual) para o incentivo de tais empreendimentos. Em relação à energia solar fotovoltaica, o crescimento já é observado e já existem marcos legais. A energia eólica offshore é uma tipologia nova de geração de energia para o país e não temos um arcabouço legal para a mesma. Além disso, penso que a Petrobras, por questões de decisão política, está focada apenas no petróleo e gás natural (combustíveis fósseis), perdendo com isso a oportunidade de buscar maior diversificação no setor de energia, pois várias empresas petrolíferas pelo mundo estão cada vez mais buscando investir em fontes renováveis de energia, principalmente solar e eólica offshore.
Outro aspecto relacionado ao potencial crescimento da energia renovável, especialmente a eólica e solar, em nossa região que ressalto diz respeito aos impactos negativos dessas fontes energia também poderão causar. Não podemos “romantizar” as energias eólica e solar como fontes energéticas de “zero impacto ambiental negativo” ou “energia limpa”. Então, a sociedade organizada e a comunidade científica precisam conhecer e ficar atentas a todas mudanças que estão em curso na região.
ASCOM / UENF – Os críticos das fontes renováveis alegam que elas não podem suprir o alto consumo de energia do momento presente, além de serem muito caras. Qual a sua opinião sobre isto?
LUIZ – Respondendo à pergunta, inicio citando uma frase de Jeremy Rifkin em seu livro intitulado 3ª Revolução Industrial onde ele diz que “o Brasil é a Arábia Saudita da energia renovável, e tem de longe mais potencial para energia renovável por metro quadrado que qualquer outro país do mundo”.
Do ponto de vista da produção de energia, um fator preponderante é a sua eficiência e, que consequentemente influencia no seu custo. Isso já acontece nas fontes renováveis de energia, pois à medida que a eficiência está aumentando, a escala de produção dos sistemas está crescendo, até mesmo em função da demanda, e, consequentemente o custo está caindo. Isso faz com que a energia solar deixe esse estigma de ser “cara”, como dizemos: “uma fonte de energia somente de vitrine”. Atualmente, o custo médio de um módulo fotovoltaico é de 0,20 USD/Watt. É evidente que o custo inicial é elevado para implantação de um sistema solar fotovoltaico conectado à rede para uso residencial. Todavia, no Brasil, em média, o retorno do investimento (payback) de um sistema solar fotovoltaico residencial é de 3 a 5 anos, tornando-o um investimento mais viável do que qualquer tipo de investimento financeiro de baixo risco.
Além disso, quando falamos em grandes empreendimentos de geração, nos últimos leilões de energia, tanto a eólica quanto a solar obteve custo de produção menor que hidroelétricas, termoelétricas a gás natural e termoelétrica a biomassa. A título de exemplo, no Leilão de Energia Nova realizado em 2019 o custo da energia proveniente de hidroelétrica ficou em R$198,12/MWh, térmica a gás natural com R$189,00/MWh, térmica por biomassa com R$179,87/MWh, eólica R$79,99/MWh e solar fotovoltaica com R$67,48/MWh.
Desta forma, vejo a questão do custo da energia solar ou eólica superada. Para além disso, devemos ter em mente a contribuição ambiental das fontes energéticas. Nesse sentido, a solução passa não só pela substituição das fontes não renováveis pelas fontes renováveis. Penso que não existe uma “fórmula mágica” e única. Entendo que a garantia para o suprimento da demanda de energia atual passa por um mix de soluções. Como diz o ditado: “estamos trocando o pneu do carro com ele andando”. Então, retomando uma fala anterior, a nível nacional e mundial devemos: 1) repensar o nosso consumo, ao mesmo tempo gradativamente abandonar as fontes não renováveis e investir em todas as fontes renováveis possíveis; 2) investir no aumento da eficiência energética em todos os segmentos; 3) repensar nossas cidades, no que diz respeito a serviços inteligentes e planejamento da mobilidade urbana; 4) repensar o transporte, incluindo na solução desse setor a eletromobilidade.
Então, eu acredito que tudo isso é um processo e como tal “não ocorre da noite para o dia”, mas isto já está acontecendo e é um movimento necessário e que nos levará para outro modelo de sociedade mais focada numa economia de baixo carbono.