Pela primeira vez, a UENF está representada na Sociedade de Bioética do Estado do Rio de Janeiro (SBRio). No último dia 1º, o professor João Almeida, do Laboratório de Fisiologia e Bioquímica de Microrganismos (LFBM) da UENF, foi eleito vice-presidente da SBRio para o biênio 2023-2025. A presidente eleita é a médica Marisa Palácios, diretora do Núcleo de Bioética e Ética Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Para João Almeida, a representatividade da UENF na SBRio contribuirá para fomentar a cultura, o conhecimento e a formação bioética na UENF, trazendo o tema para dentro da Universidade. Nesta entrevista, João Almeida discorre sobre o tema, de grande importância para a ciência, mas ainda pouco explorado dentro da Universidade.
— A bioética se propõe a ser um campo de interface entre as ciências sociais e humanas, trazendo a reflexão ética para a atuação dos pesquisadores nos campos de pesquisa acadêmica, produção tecnológica e atuação profissional.
Veja a entrevista:
ASCOM / UENF – Qual a importância da UENF estar representada na SBRio?
João Almeida – A bioética, como ética prática, aplicada, está presente desde a formação de alunos até outras atividades presentes na vida de pesquisadores, funcionários e alunos. Quando um pesquisador por exemplo, escreve um projeto de pesquisa, que precisa por exemplo ser submetido a um comitê de ética em pesquisa com seres humanos ou à comissão de uso de animais em pesquisa. Esses documentos passam necessariamente por uma análise bioética, e muitas vezes o pesquisador tem seu projeto rejeitado por falta de conhecimento nessa área. Recentemente tivemos a criação de um coletivo para pessoas transexuais na UENF, e relatos de um episódio de transfobia no restaurante universitário da UENF. São questões abordadas pela bioética. Dar maior representatividade à UENF significa fomentar a cultura, o conhecimento e a formação bioética na UENF, e não só fazer com que a UENF seja representada em uma sociedade que reflete e influencia nessas questões, mas trazer também a sociedade de bioética para dentro da UENF.
ASCOM/UENF – Na sua opinião, a que se deve a sua escolha para este cargo?
João Almeida – Creio que temos conseguido, além da produção acadêmica em si, realizar ações que tem dado visibilidade à UENF no campo da bioética, como, por exemplo, lives do projeto de extensão Educação, Ciência e Saúde, que coordeno na UENF com temas relacionados à bioética; e a realização de Congressos na UENF, como o Congresso de Bioética do Norte Fluminense (2022) e o Congresso de Bioética e Bem-estar animal, além do Forum de Bem-estar animal da UENF (2023), que ajudaram a projetar a UENF no cenário da bioética brasileira. E aqui não podemos deixar de citar as várias pessoas na UENF que têm colaborado nisso, como o meu laboratório, LFBM, que deu todo o apoio para a realização do meu Pós-Doc na PUC do Paraná, o Programa de Pós Graduação em Cognição e Linguagem da UENF, através do professor Carlos Henrique Medeiros, minha supervisora do pós-doc, professora Marta Fischer, da PUCPR, que tem sido uma super parceira nessas ações, as Pró-Reitorias de Extensão e de Assuntos Comunitários da UENF, e o nosso reitor, professor Raul Palacio, que tem se empenhado pessoalmente em apoiar e fortalecer essas ações. Tudo isso com certeza colaborou para termos visibilidade para sermos convidados para compor essa chapa, que conta com grandes pesquisadores das mais renomadas instituições do nosso estado
ASCOM / UENF – Como você avalia a área de bioética na UENF?
João Almeida – Temos uma bioética muito incipiente, o que é preocupante quando pensamos principalmente na formação de alunos. Além de mim mesmo, só conheço mais uma ou duas professoras da UENF que têm formação em bioética e que publicam nesta área. Temos também pouquíssimas disciplinas de bioética na grade curricular, e na esmagadora maioria das vezes como matérias eletivas ou partes de outras disciplinas, e não como componente da grade curricular. Então o que acontece é que temos colegas que se esforçam, mas não têm acesso à formação em bioética, que na verdade fica muitas vezes restrita apenas ao conhecimento de leis, por exemplo que regulam o uso de organismos geneticamente modificados ou o uso de animais em laboratório, ou a questões deontológicas, que dizem respeito aos deveres e obrigações de cada profissão. Isso acaba refletindo na formação de alunos que não são capacitados na identificação de dilemas (problemas e questões de cunho bioético) que podem vir a ocorrer na sua vida acadêmica ou no exercício da sua carreira, não são treinados na prática da reflexão bioética e desconhecem as ferramentas da bioética para resolução de problemas, o que limita ou prejudica a sua atuação ao se depararem com problemas éticos, que às vezes sequer são identificados, ou geram posturas que ferem a ética.
ASCOM / UENF – Fale um pouco sobre a importância deste tema para a ciência.
João Almeida – A bioética se propõe a ser um campo de interface entre as ciências sociais e humanas, trazendo a reflexão ética para a atuação dos pesquisadores nos campos de pesquisa acadêmica, produção tecnológica e atuação profissional. Assim, por exemplo, se alguém vai realizar experimentos com animais de laboratório, tem toda uma área da bioética que analisa essa questão e gera leis que regulamentam a atuação do cientista, refletindo desde se aquela metodologia pode ser refinada, ou seja, chegar aos mesmos resultados com a utilização de um número menor de animais e causando menos sofrimento aos mesmos, ou se uma variedade de planta geneticamente modificada pode não só ser obtida e ser comercialmente viável frente a parâmetros biológicos e econômicos, mas também com relação ao seus impactos sociais e ambientais. A discussão bioética pode até gerar leis, como as leis que regulam o trabalho com organismos geneticamente modificados ou com experimentos com animais, que podem determinar o nível de segurança de uma sala em que se vai trabalhar com OGMs ou quais os tipos de métodos de eutanásia são aceitáveis para se eutanasiar um animal, de acordo com sua espécie, mas apenas leis não são suficientes. Nós devemos pensar em formar pesquisadores que sejam conscientes das consequências de seus trabalho, e que possam pensar além da legislação, e até criar e adequar leis que disponham sobre a sua atuação profissional. E isso se estende por praticamente todas as áreas profissionais, seja ciência da computação, com os grandes avanços recentes da inteligência artificial, até a engenharia de petróleo, com seus impactos na população e no meio ambiente.
ASCOM / UENF – Quais seus planos à frente da SBRio?
João Almeida – Creio que o principal é fomentar uma cultura bioética na Universidade e fora dela, incutindo nos pesquisadores e profissionais o senso de importância de incorporar a bioética em suas carreiras e mesmo em suas vidas. Acho fundamental aumentar o número de associados da SBB, fazendo os profissionais perceberem que pertencer à SBB traz um diferencial para o seu currículo, como um profissional preocupado em seguir e se atualizar sobre parâmetros bioéticos. Pretendemos incentivar ações que sejam direcionadas aos sócios, como divulgação de livros e chamadas para escrever capítulos e artigos em bioética, e ao público em geral, como cursos e seminários, que melhorem a capacitação de diversos profissionais no Estado. Na nossa região, por exemplo, são poucos os hospitais que contam com comitês de bioética hospitalar. É importante capacitar os profissionais para tal, o que acaba por melhorar o atendimento ao público e dá mais segurança ao profissional no exercício de sua profissão. Vemos assim a necessidade de promover cursos, seminários e firmamos convênios e acordos de cooperação com instituições e com o poder público para ampliarmos essas ações na região.