“Flexibilização do isolamento social”- entrevista com o professor Milton Kanashiro

Prof. Milton Kanashiro, Laboratório de Biologia do Reconhecer CBB/UENF

Passados 150 dias após a notificação do primeiro caso da COVID-19 no Brasil, ocorrido em São Paulo, no final de fevereiro, ainda convivemos com muitas incertezas sobre o coronavirus. A demora das autoridades brasileiras em tomar medidas de enfrentamento, mesmo com casos registrados ao redor do mundo, e a inexistência de uma política nacional de combate a pandemia fez com que governadores e prefeitos assumissem o protagonismo na luta contra a disseminação do coronavirus. Atualmente, impactados pela crise econômica, que atinge diretamente às classes trabalhadoras, muitos estados e municípios iniciaram um processo de flexibilização do isolamento social, liberando o retorno às atividades de diversos segmentos da cadeia produtiva e, neste momento, alguns estados e municípios discutem o retorno às atividades educacionais.

Para falar sobre esse tema, a ASCOM/UENF entrevistou o Prof. Milton Kanashiro, especialista em imunologia do Laboratório de Biologia do Reconhecer, do Centro de Biociências e Biotecnologia da UENF, um dos responsáveis pela implantação do Laboratório de Referência Regional de diagnósticos da COVID-19 em Campos. Na pauta a flexibilização das medidas de distanciamento social, possibilidade do retorno às atividades acadêmicas, vacinas e políticas públicas de combate a pandemia.

ASCOM – Alguns municípios do estado do Rio de Janeiro estão flexibilizando o distanciamento social, como podemos avaliar as condições de Campos perante essa flexibilização e quais são os aspectos que devem ser levados em conta para que a flexibilização ocorra sem riscos para a população.

MILTON KANASHIRO – É preciso muita cutela para o retorno parcial as atividades permitidas com a flexibilização. A observação dos novos casos, óbitos e disponibilidade de leitos hospitalares são alguns dos principais indicadores que devem ser considerados. A observação da média móvel de novos casos (AQUI) e óbitos por COVID-19 (AQUI) em Campos sugere uma estabilidade com tendência a diminuição (gráficos com base nos dados divulgados diariamente pela SMS*). Entretanto, no último boletim epidemiológico nº14 da SMS (AQUI) mostra uma queda consistente no número de óbitos no mês de Julho, esta informação se baseia na data de ocorrência do óbito.

* dados divulgados com base nos diagnósticos liberados no dia

ASCOM – Junto com a flexibilização do distanciamento social, temos acompanhado também o desmonte dos hospitais de campanha e uma desmobilização da aplicação dos recursos da saúde destinados ao combate a pandemia. Realmente estamos em um processo de diminuição de casos e óbitos, é possível fazer uma análise sobre a pandemia em Campos, mediante os dados fornecidos pela Secretaria de Saúde, e uma projeção para um futuro próximo?

MILTON KANASHIRO – A análise das curvas epidemiológicas sugerem estabilidade com tendência a diminuição da COVID-19, indicando um arrefecimento da doença na cidade, entretanto, é muito importante ressaltar que é fundamental importância continuar com todas as medidas de proteção individual (uso de máscaras, uso do álcool a 70%, lavagem das mãos, distanciamento entre pessoas, etc..) para que não haja o retorno do aumento do número de novos casos. Dessa forma, a flexibilização cautelosa associada a observação das curvas da doença na cidade poderá ser possível o retorno parcial das atividades comerciais, sociais e outras até a disponibilização de uma vacina.   

ASCOM – No último dia 17 de julho, dez instituições de ensino superior do estado do Rio de Janeiro assinaram uma nota conjunta (AQUI) sobre o retorno às atividades acadêmicas durante a pandemia da COVID-19. No seu entender como deve ser feito esse retorno às atividades presenciais nas unidades escolares e em que momento ele deve ser feito.

MILTON KANASHIRO – O retorno às atividades presenciais irrestrito nas instituições de ensino e outros ambientes só deve acontecer com a disponibilização de vacina e a imunização da população. As instituições de ensino estão planejando o retorno das atividades de ensino na forma remota, entretanto, com o acompanhamento das curvas epidemiológicas da COVID-19, talvez seja possível o retorno parcial de algumas atividades presenciais de ensino a partir do segundo semestre. E neste caso, deve tomar todas as medidas sanitárias de infraestrutura e insumos no sentido de proteção individual. Além das medidas para identificar os possíveis doentes. 

ASCOM – Existem várias vacinas em testes nesse período, qual é o procedimento padrão para que uma vacina seja testada em seres humanos, é prematuro afirmar que alguma dessas vacinas que estão sendo testadas realmente tem eficácia?

MILTON KANASHIRO – A eficácia vai ser avaliada na fase III. De forma geral na fase pré-clínica são feitos ensaios in vitro e in vivo em animais. Na fase I, realizada em um pequeno grupo de voluntários onde procura-se avaliar a segurança, relação dose e resposta imune induzida pela vacina e outros parâmetros. Na fase II, com a inclusão de um número maior de voluntários, continua-se avaliando a segurança da vacina, mas também a imunogenicidade e a dose da vacina. Na fase III, a vacina é administrada em um grande número de voluntários, normalmente milhares de pessoas, para se avaliar a eficácia e a segurança da vacina. Nesta fase de avaliação, dentre os vários parâmetros estudados, é analisado se a vacina é capaz de induzir uma resposta imune protetora nos indivíduos vacinados e as possíveis reações adversas decorrentes do uso da vacina. Quando a vacina é aprovada e liberada para utilização na população é avaliada o tempo de duração da imunidade, efeitos adversos raros, etc… esta é a fase IV.

ASCOM – Como você avalia as políticas públicas implantadas no combate a pandemia no âmbito nacional e suas consequências nos estados e municípios?

MILTON KANASHIRO – A falta de uma política nacional de combate à pandemia resulta em um grande descompasso de ações nos níveis estaduais e municipais que se traduz na dificuldade de prestação de um serviço de qualidade a população nas unidades de atendimento hospitalar. Associa-se a isso a gestão ineficiente dos recursos federais destinados ao combate da pandemia e a proposição de protocolos equivocados de tratamento sem embasamento científico, como por exemplo o uso da hidroxicloroquina.  A característica continental do Brasil necessita de uma coordenação estruturada orientando a ação nas diferentes regiões que vivem momentos diferentes da pandemia. Existem diversos protocolos de tratamento da COVID-19 sendo executados em diferentes unidades de atendimento, cabe ao ministério da saúde a coleta de informação, a análise e padronização dos melhores protocolos e o estabelecimento de procedimentos mais padronizados, baseados em estudos científicos. Os países que tiveram uma gestão estruturada e organizada da pandemia tiveram os menores índices de mortalidade causada pela COVID-19.   

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